Carta à Berta: Quando o Covid-19 chegar a Campo de Ourique Parte II/III
Olá Berta,
Continuando a minha carta de dia 29, aproveito esta para te dizer que este domingo, já a Farmácia Condestável, anunciava nos grupos de Campo de Ourique do Facebook, que amanhã, segunda-feira, iriam receber máscaras novas e que aceitavam reservas por email. Quanto ao preço e à especulação a ser praticada nada se esclarecia. Ou muito me engano ou a avidez e pânico, permitirão a venda do produto com ganhos superiores a mil porcento.
Claro que isto sou eu a dizer coisas à toa, alegadamente aliás, tudo se pode falar, mas será que realmente estarei enganado? Uma coisa que há 2 meses custava cêntimos ao público, por unidade, quanto é que custa agora? Quantas vezes iremos escutar a desculpa de que o que custava cêntimos era o modelo “xpto”, mas que este, o “xpto do carvalho” sempre foi muito mais caro?
A questão é que por mais sofisticada que fosse a máscara, em dezembro do ano passado nenhuma delas ultrapassava o custo de um euro por unidade, porém, na realidade, na altura, não existiam as “xpto do carvalho” cujo efeito é tão eficaz como a maioria das outras que vão aparecendo, aqui e ali, um pouco por todo o lado, na senda do lucro fácil.
Ao fim ao cabo, qual é a utilidade da informação dada pela farmácia Condestável? Alguém precisa de máscara em Campo de Ourique? Rigorosamente ninguém.
Mas que vão haver inscrições não tenho dúvidas e que a máscara vai esgotar também não. Para além disso a Farmácia passará a ficar com uma boa base de dados de clientes futuros. Quero aqui ressalvar a possibilidade de esta loja de medicamentos poder ter intensões sérias, estar mesmo genuinamente preocupada com os seus clientes ou vizinhos e não ir sequer especular no que se refere ao preço. Mesmo que ela assim funcione, pelo menos o fornecedor já especulou e inflacionou o preço. Contudo, desculpem-me os proprietários, eu não acredito que não haja aproveitamento por parte da loja. Todavia, é a minha opinião e vale o que vale, ou seja, tanto como a tua, amiga Berta, ou a de qualquer outra pessoa.
Se pensarmos que o outono/inverno de 2018/2019 matou, apenas em Portugal, quase 4000 pessoas devido ao frio e à gripe comum, quantas pessoas poderão morrer em Portugal por força do Covid-19? Não imagino sequer (ou talvez até tenha uma opinião). Ora, o que eu sei é que, este outono/inverno de 2019/2020, morrerão pessoas num número semelhante ao do ano passado, devido ao frio e à gripe. Talvez até um pouco mais pois as estatísticas apresentam um ligeiro aumento de ano para ano. Porém, se a estas juntarmos as vítimas da costumeira pneumonia estamos já a falar de cerca de 10 mil mortes esperadas para as estatísticas de 2020. Número que deverá até ser ultrapassado porque, conforme disse, estas fatalidades mais usuais, têm aumentado nos últimos anos.
O que os números destas maleitas comuns me indicam é que, a média anual de vítimas de frio, gripe e pneumonia deverá rondar, em 2020, quase 28 óbitos por dia. Há ainda as previsões climatéricas que apontam para uma primavera mais quente, cerca de um grau, à média dos últimos anos, com menos chuva e tudo aponta para um verão quente, com picos, como o de 2018. Ou seja, poderemos contar, sem falhar por muito, com algo como mais 2000 vítimas do calor estival. Em conclusão, este será um ano em que diariamente teremos uma média de 33 óbitos diários derivados do clima, da gripe e da pneumonia.
Ora, se os números mundiais sobre os infetados e os óbitos provocados pelo Covid-19, até à presente data, estiverem certos, então, no pior dos cenários, poderiam vir a falecer em Portugal, fazendo a devida extrapolação, cerca de 365 a 730 pessoas, ou seja, uma média de uma ou duas pessoas por dia. O que, amiga Berta, se comparado com os valores do parágrafo anterior seria insignificante para nós (que não para os familiares dos falecidos).
Todavia, e podes chamar a isto intuição de 40 anos de jornalista, eu acho que a comunicação social apenas tem conhecimento de cerca de 10 porcento das verdadeiras estatísticas relativamente a infetados e óbitos. Nesse cenário e imaginando uma catástrofe nacional, no pior dos panoramas, as mortes por Covid-19, em Portugal, poderiam atingir cerca de 7 mil e 500 pessoas, em 2020. O que, somado às outras vítimas atrás referidas, representaria cerca de 40 falecimentos diários.
Mesmo neste filme ultra trágico apenas 0,18 porcento da população nacional morreria derivado ao clima, à gripe e pneumonia comum e ao coronavírus. Tal número se comparado aos dados dos óbitos provocados, anualmente em Portugal, pelo álcool e pelo tabaco, fica bem abaixo destas realidades, que juntas matam, atualmente, cerca de 70 pessoas por dia no país.
Mas o que representa um cenário desta pandemia, uma vez que se instale em Portugal? Voltemos ao exemplo de Campo de Ourique. O Bairro em 2011 tinha cerca de 1500 estrangeiros residentes, sendo cerca de 900 desses franceses. Ora, 10 anos depois, os números deverão andar pouco abaixo dos 3 mil, com os franceses à frente, seguidos pelos espanhóis, italianos, brasileiros e chineses. Tudo gente que já tem Covid-19 nos seus países de origem.
Portanto, e ainda considerando o pior dos quadros, o mais temido por todos (ou seja, uma pandemia instalada em Portugal, com uma tipologia parecida à italiana, e tendo em conta que apenas conhecemos 10 porcento da verdadeira situação), estaríamos a falar de 19 casos de Covid-19, em todo o ano de 2020, no Bairro de Campo de Ourique.
Porém, se os números oficiais forem reais, então a probabilidade de casos no bairro cai, durante os 12 meses de 2020, para um máximo de 2 óbitos. Para menos até, porque já ultrapassámos 2 meses do ano, sem que qualquer caso se tivesse manifestado.
Ora, mesmo assim, a acontecer, não deixaria de ser trágico, todavia (pondo mais uma vez de lado o trauma das famílias diretamente afetadas), seria apenas residual. Apesar de tudo, quero lembrar que, por esta altura, estou a falar de nos virmos confrontados com as piores previsões e, em simultâneo, com péssimas prestações por parte dos nossos serviços de saúde. Algo que, com o que já se conhece, as tornariam verdadeiramente desastrosas.
Porém, amiga Berta, como verás na minha última carta sobre este tema, Portugal já teve dois meses sem vírus (e não se sabe quantos mais dias terá). Tal facto, constituiu um grande benefício, criando tempo suficiente para o país se preparar para o combate à pandemia. Por que raio é que agora iria cometer os mesmos erros de países onde a epidemia se espalhou mais rapidamente? Não faz realmente muito sentido.
Por hoje despeço-me e aguarda pela próxima carta para que consigas entender claramente qual é a minha perspetiva realista sobre o que alegadamente devemos fazer em termos de bairro, para escaparmos todos, a toda esta tragédia. Entretanto, recebe um beijo deste teu amigo,
Gil Saraiva