Carta à Berta: Paulo Rangel, Homossexualidade e Presidência - 558
Olá Berta,
A minha carta de hoje tem a ver com o facto de Paulo Rangel se estar a candidatar à liderança do PSD. O facto é relevante porque, sendo Rangel um assumido homossexual, a sua liderança, caso ganhe a presidência do seu partido pode, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, colocar um gay à frente de um dos dois principais partidos portugueses, um dos partidos que, dentro da alternância democrática nacional, pode vir a ganhar umas eleições e a formar um governo no país.
Ora, esse facto levanta-me uma questão: poderá um homossexual, por força das suas preferências, governar o país de uma forma que prejudique aqueles que não se enquadram na sua minoria? À partida, quando penso no assunto, não vejo qualquer problema que possa surgir por força da orientação sexual privada de um qualquer líder ou governante. Mas, numa análise um pouco mais profunda, chego à conclusão de que posso estar completamente enganado nessa primeira avaliação.
Quero eu dizer, amiga Berta, que tudo depende do homossexual em causa, ou seja, se se tratar de um defensor da implementação de uma política ligada ao movimento LGBTQIA+, a agressiva agenda de intervenção governativa do movimento já não me faz sentir tão confortável com a concretização dessa possibilidade tendo em conta o país.
Mas é melhor, minha amiga, que eu comece por explicar o que significa a sigla LGBTQIA+, que está cada vez mais inclusiva. Importa pois explicar o que significa cada uma das letras, por forma a evitar dúvidas:
L – Lésbica: mulher que sente atração afetiva e ou sexual por outras mulheres, ou seja, por um relacionamento íntimo dentro do seu próprio género.
G – Gay: homem que sente atração afetiva e ou sexual por outros homens, ou seja, por um relacionamento íntimo dentro do seu próprio género.
B – Bissexual; homem ou mulher que sente atração afetiva e ou sexual por mais de que um género, ou seja, por um relacionamento íntimo com pessoas independentemente do seu género.
T – Transexual ou Transgénero: pessoas que se identificam com outro género que não aquele do seu nascimento. Este conceito está relacionado a identidade de género e não relação sexual e ou afetiva.
Q – Queer: pessoas que transitam entre os géneros feminino e masculino ou em outros géneros quais a equação binária simples não se aplica.
I – Intersexual: pessoas cujo desenvolvimento sexual corporal não tem cabimento na norma binária comum.
A – Assexual: pessoas que não têm atração sexual e ou afetiva por outras pessoas independentemente do género.
+ – Mais: Envolve todas as diversas possibilidades de orientação sexual e identificação de género que existam ou que possam aparecer e que não estejam abrangidas nas descritas anteriormente.
Volto, agora, ao caso específico de Paulo Rangel. Se a sua atitude de liderança não tentar impor a um país maioritariamente heterossexual os valores LGBTQIA+, entrando em choque com a real sociedade portuguesa, que ainda por cima é marcadamente machista e religiosa, então, nada tenho a opor à sua ambição política. Pode até legislar, se um dia chegar ao Governo, a favor de uma educação inclusiva, no meio escolar, combatendo de forma ativa os estigmas existentes.
O que eu pretendo alertar é que, tendo em conta a realidade nacional, principalmente fora dos grandes centros urbanos, o aparecimento ostensivo e provocatório do conteúdo da agenda política do movimento LGBTQIA+ poderia gerar graves conflitos sociais, porque uma coisa é que se lute por direitos iguais entre pessoas diferentes, outra coisa, bem distinta, é a ostensiva tentativa de privilegiar uma minoria. Se Paulo Rangel for, querida Berta, alguém disposto a usar de um meio termo, promovendo a inclusão, mas desincentivando o conflito, que seja bem-vindo e que tenha o sucesso que provenha do seu valor enquanto ser humano.
Tendo em conta ainda a sociedade em que vivemos, faço igualmente votos para que Paulo Rangel tenha a fibra para aguentar com a parafernália de insultos e piadas a que se irá sujeitar se alguma vez ascender à liderança do PSD. Numa rápida ronda pelo Facebook, hoje, não levei muito tempo para encontrar frases como: “Rangel, Portugal não pega de empurrão”; “Ó coiso, vai empurrar o cocó para Bruxelas”; “Rangel, o país não anda de marcha atrás”; “Lilas, não te atrevas a pôr a tocar no programa curricular da educação nas nossas escolas as tuas mariquices”. Estes exemplos são apenas os menos insultuosos que encontrei numa altura em que, note-se, Paulo Rangel apenas anunciou a sua candidatura.
Há ainda mais algumas circunstâncias e situações que podem surgir com a ascensão de Rangel a líder. Porém, isso será ele a ter que lidar com o assunto, se lá chegar. Apenas acho insensato que se pense que o caso é pacífico em Portugal. Despeço-me com um beijo saudoso, deste teu amigo,
Gil Saraiva