Carta à Berta: O Sr. Ferreira II/II
Olá Berta,
Quando ontem comecei a minha carta para ti sobre o comentador e cronista da SIC, José Gomes Ferreira, fi-lo, porque, mais uma vez, no seu artigo de opinião do passado dia 17, no site da SIC, considero que foram absolutamente ultrapassados todos os limites, e mais alguns se os houver, da independência que o próprio autor alega ter.
Mas não especifiquei sobre aquilo que escreveu e pretendo fazê-lo. Mais do que tudo porque a lógica do Sr. Ferreira funciona tipo esquema axiomático. Uma premissa, mais outra premissa, conduzirá, sem margem para dúvidas, a uma terceira premissa por força das 2 primeiras. O que, em princípio estaria muito bem se as duas primeiras premissas fossem verdadeiras e conduzissem efetivamente à terceira, mas tenho as maiores reservas quanto às premissas do Sr. Ferreira.
O analista enuncia 7 grandes problemas:
- “Os problemas que temos medem-se pela fome que já se vive em Portugal.”
- “Os problemas que temos medem-se pelo elevado valor da ajuda pública…”
- “Os problemas que temos medem-se pelo índice de risco de falência de centenas de milhares de empresas nacionais…”
- “Os problemas que temos medem-se pelo gigantesco volume dos empréstimos bancários garantidos a 80 ou 90 por cento pelo Estado…”
- “Os problemas que temos medem-se pelo ritmo crescente de entrega de casas aos bancos por parte de milhares de famílias…”
- “Os problemas que temos medem-se pelos alertas de cada vez mais especialistas sobre uma nova e profunda crise bancária…”
- “O problema maior do país cabe numa frase simples: desapareceu 10 por cento do nosso PIB anual em 2020…”
Segundo o Sr. Ferreira, estes 7 problemas constituem a primeira premissa. E isso podia ser verdade se, dentro da mesma escala de grandeza e preocupação, não fosse possível encontrar mais nenhum problema, contudo, na realidade, depois de pensar um pouco, eu era capaz de acrescentar mais 13, dentro da mesma escala de grandeza e preocupação. Mais grave é que eu não sou da área de finanças ou de economia, o que ainda me deixa mais perplexo, no que respeita aos 7 únicos grandes problemas do Sr. Ferreira, sobre alguns dos quais existem mais especulação barata do que certeza de facto verídico.
A segunda premissa, do analista em causa, é composta por um agregado ainda mais complexo. Apresenta 6 “Vemos”, um “Enquanto”, e duas “Apostas”, nomeadamente:
Os “Vemos”:
- “Vemos uma taxa de desemprego artificialmente diminuída por regras contabilísticas inovadoras…”
- “Vemos o saldo das contas externas do país a degradar-se rapidamente…”
- “Vemos vários setores da agricultura, agroindústria, indústria transformadora e serviços, com estrutura empresarial pequena e média, a serem ultrapassados…”
- “Vemos um plano para “salvar” a economia nacional encomendado a um especialista que pisca o olho à esquerda e à direita…”
- “Vemos um plano estratégico que, por ser tão abrangente e ambicioso, cria as próprias condições para nunca ser aplicado…”
- “…vemos um Presidente da República, um Presidente do Parlamento, um primeiro-ministro, um ministro das Finanças e um líder da oposição aparentemente alheados da gravidade deste momento importantíssimo da nossa vida coletiva…”
Quanto ao “Enquanto”:
- “Enquanto os mais altos responsáveis da nação não acordarem deste alheamento, vamos todos continuar adormecidos, deixando escoar o tempo mais precioso para preparar o futuro do país.”
Por fim chegamos às “Apostas”:
- “Apostar em produção nacional para substituir importações…”
- “Apostar em mais exportações…”
Aqui, a exposição do Sr. Ferreira é um verdadeiro caos:
- Os seus “Vemos” não são, nenhum deles é, factos, apenas versões simplistas da sua maneira de apreciar os problemas.
- O “Enquanto”, embora se apresente como afirmativo, não passa de um puro exercício de síntese especulativa sem qualquer sustentação real.
- As “Apostas”, mesmo que se aproximem mais da realidade, são mais afirmações à Sr. De La Palice, e não serão, nem se apresentam, per si, como os únicos caminhos a seguir.
A terceira premissa apresenta o fecho do axioma, com 2 conclusões e uma desilusão. O que não é normal de se fazer quando se apresenta um esquema deste género. Mesmo assim terei que o referir para que seja possível chegar a uma qualquer conclusão sobre a opinião do Sr. Ferreira. Não quero ser acusado de não ter terminado a análise.
Quanto às “Conclusões”:
- “O que é necessário e urgente é um plano para substituir rapidamente o PIB que desapareceu e para compensar o gigantesco desacerto entre as despesas e as receitas do Estado.”
- “…temos menos de quatro meses para delinear esse plano e para o pôr em marcha.”
Por fim a “Desilusão”:
- Uma urgência que não é compatível com a atitude pública visível dos mais altos responsáveis do país.
Ora bem, a terceira premissa lembra a montanha a parir um rato. É verdade o que é dito nas primeira e segunda conclusões, embora fiquem a faltar outras verdades, mas foi precisamente isso que o Sr. Ferreira diz que o Governo fez no ponto 5) dos “Vemos” do Sr. Ferreira. Apenas a conclusão tirada pelo Sr. Ferreira surge como, no momento, abusiva e excessiva: 5) “Vemos um plano estratégico… abrangente e ambicioso…”; mais, o plano já está delineado. Para terminar a desilusão do Sr. Ferreira não faz qualquer sentido. Aquilo que o dito cujo acha ou não acha da atitude pública dos responsáveis do país, pode nada ter a ver com a verdadeira atitude dos mesmos face ao país.
Ou seja, o Sr. Ferreira está armado em Zandinga…
Embora possa acertar nalguns infortúnios, pois seguindo a Lei de Murphy não é difícil acertar que muita coisa pode correr mal, nada do que o Sr. Ferreira apresenta tem qualquer prova (ou sequer indício) de haver descuido, desleixo ou mau caminho por parte dos nossos líderes. Assim sendo, a questão que dá origem à opinião de José Gomes Ferreira na página da SIC do dia 17, “Importam-se de acordar para a realidade do país?” não faz sentido e apenas demonstra o populismo fácil e direitista do Sr. Ferreira.
Por hoje, fico-me por aqui. Desculpa se me alonguei Bertinha. Este teu amido despede-se com um beijo carinhoso,
Gil Saraiva