Carta à Berta nº. 419: O Novo Confinamento na Rua Francisco Metrass em Campo de Ourique
Olá Berta,
Começaram ontem os novos confinamentos para os fins-de-semana de 27 de novembro a 2 de dezembro e de 4 a 9 de dezembro de 2020. Uma modalidade mista entre confinar com recolher obrigatório e proibição de deslocação entre concelhos para as autarquias de risco muito elevado e extremamente elevado.
Vivo há cerca de 12 anos, na Rua Francisco Metrass, em Campo de Ourique, Lisboa. Um bairro que tomei como meu, como nunca tinha feito com outro local em toda a minha vida. Amo a história do Bairro, adoro a arquitetura e o urbanismo típico, o sorriso e a simpatia das gentes, o burburinho do comércio, das ruas, dos cafés, pastelarias e restaurantes, enfim, esta freguesia faz-me sentir em casa de tal forma que, por vezes, me esqueço que não nasci aqui, mas sim em Campo Grande.
Este início de tarde, por volta do meio-dia fui até à janela da sala-de-estar do meu terceiro andar, virada para a rua e com vista para 7 esplanadas e 3 supermercados, um take-away e uma farmácia e fiquei boquiaberto. Acreditem se quiserem, mas entre o Restaurante Europa e o Restaurante Cantinho de Campo de Ourique, passando pela Farmácia Porfírio, Pastelaria Aloma, Pastelaria Az de Comer, Cafetaria Metrass, take-away Dez para a Uma, Supermercado e Cafetaria Go Natural, Supermercado Minipreço, o Snack-Bar Bowl e o Supermercado Pingo Doce, contei 198 pessoas.
Para além disso ainda registei uma fila de viaturas em transito que passava as 35. O movimento era tal que parecia que a rua tinha sido invadida por uma “black Friday” promocional de dimensões épicas, que nunca antes tinha presenciado. A correr fui buscar a câmara para registar o momento. Infelizmente quando regressei à janela já o panorama era diferente.
O aproximar da hora de recolher fizera desaparecer um grande número de indivíduos e viaturas da zona. Mesmo assim ainda contei cerca de 97 pessoas na rua. Só na zona do Pingo Doce eram mais de 30. Já tinha visto filas maiores para este supermercado, mas nunca um tão gigantesco número de pessoas a entrar e sair dos estabelecimentos que te referi, amiga Berta, em simultâneo, por toda a via pública. Na esquina do Az de Comer, por exemplo, contei 28 pessoas, 11 na do Aloma, 17 entre o Restaurante Europa e a Farmácia Porfírio, etc. e, ainda, todas filas que se cruzavam entre o Go Natural e o Pingo Doce, enfim, uma verdadeira multidão.
Dei comigo a pensar se o Governo não se teria equivocado nestas novas normas de confinamento. De que serve confinar à noite e à tarde se, de manhã, uma catrefada de gente invade as ruas? A fotografia que te envio para ilustrar esta carta não conseguiu captar o que eu vi 15 minutos antes, mas eram mais do dobro as pessoas que ali estavam, só na zona abrangida pela imagem. Torna-se fácil calcular o restante povoamento destes 50 a 60 metros de rua.
Contudo, nem tudo o que vi foi mau. Talvez uns 90 a 95% das pessoas tivessem máscara. Isso significa que no meio da loucura ainda houve muita gente a tentar cumprir algumas normas. Sinceramente, no meio do caos que observei neste início de tarde, tenho mesmo que atribuir a culpa à forma como foi desenhado este confinamento e não às pessoas que ficaram limitadas às manhãs para se abastecerem. A limitação temporal de circulação entre 27 de novembro e 9 de dezembro vai gerar certamente mais momentos como aquele a que hoje assisti.
Se esta zona tivesse pelo menos durante esta manhã uma fiscalização policial talvez a circulação das pessoas pudesse ter sido mais ordenada ou talvez não. Estes funis temporais que foram criados nestas novas normas para circulação na via pública são propícios a ajuntamentos deste calibre. Não culpem disso os habitantes deste bairro, nem de outros onde o fenómeno se repita. A culpa não é de quem tenta sobreviver ao que lhe é imposto, mas de quem elabora planos sem pensar seriamente nas consequências daquilo que cria meio em cima do joelho.
E mais não digo minha querida amiga, despeço-me com um beijo saudoso de amigo,
Gil Saraiva