Carta à Berta nº. 669: As Coisas de que Eu me Lembro...
Olá Berta,
As coisas de que eu me lembro, minha querida, podiam ajudar a resolver sérios no país em vivemos. No entanto, também sei que nem sempre há interesse em resolver os problemas que Portugal, no seu todo, atravessa. São vários os setores da nossa vida social, política e económica em que, as minhas memórias registam soluções apresentadas a quem de direito e que, embora excelentes, nunca tiveram seguimento por falta de interesse do Estado.
Como na última crónica te falei, cara confidente, de incêndios, vou descrever-te aqui uma dessas coisas que, de forma prática, resolvia 90% do flagelo dos incêndios no nosso território nacional, ilhas incluídas. Não se trata de uma história da carochinha, nem mesmo é fruto da minha imaginação. Nada disso, é uma solução que foi apresentada ao Governo, no passado, por um dos mais prestigiados institutos públicos de Portugal.
Porém, amiguinha, devido ao facto de ter escutado esta solução inadvertidamente, não te posso revelar a que instituto me refiro, nem quem foi a pessoa que apresentou o projeto. Contudo, por sorte ou azar do destino ou da vida, esta matéria chegou aos meus ouvidos por duas vezes. A primeira há quase 30 anos, depois dos terríveis incêndios de 1995, em que a ária ardida foi de quase 190 mil hectares. A segunda em 2013 quando arderam quase 150 mil hectares.
Todavia, foi nesta segunda vez que fiquei a saber que tinham acontecido outras duas tentativas anteriores, em 2003 e 2005, junto do Governo, depois de terem ardido, no somatório desses dois anos, mais de 765 mil hectares. Isto significa, minha querida, que, no mínimo, o instituto contactou o Estado em quatro ocasiões diferentes, mas podem ter sido mais, pois só posso referir o que escutei.
A aplicação das novas tecnologias, Bertinha, também alterou o custo da solução. Se nos anos 90 o valor do sistema rondava os 250 milhões de euros e tinha uma manutenção anual perto dos 30 milhões, em 2013 a mesma operação baixava para 27 milhões com uma manutenção, por ano, nunca superior a 3 milhões de euros. Julgo que atualmente a implantação do projeto fique abaixo dos 20 milhões e a sua manutenção não chegue sequer aos 2 milhões.
Quanto à ideia peregrina da pessoa em causa, defendida pelo dito instituto, o que era preciso fazer para prevenir os fogos era a colocação em todo o território de sensores térmicos, com localização por GPS, em grelha, com uma capacidade para detetar qualquer fogo, do tamanho de uma lareira urbana em qualquer ponto do país e ilhas, no primeiro minuto desde o início da sua ignição. É claro, que me inibo de descrever aqui detalhes técnicos, muitos dos quais desconheço, mas, Berta, posso referir que cada sensor tem a capacidade de vigiar autonomamente vários quilómetros quadrados, só sendo substituídos os poucos que avariassem.
Porque é que vários e sucessivos governos nacionais nunca adotaram este tipo de procedimento, em que a vigilância seria feita numa mera sala de operações da proteção civil, por uma equipa de 3 indivíduos, minha querida, continua a ser um mistério para mim, principalmente, nos dias que correm em que o tempo de vida dos aparelhos, de tamanho reduzido, a caberem na palma da mão, têm uma autonomia de, pelo menos, 20 anos.
E mais não digo, que já muito foi dito, sobre as coisas de que eu me lembro. Despeço-me com um beijo, este teu grande amigo,
Gil Saraiva