Carta à Berta nº. 403: A Minha Homenagem a Pierre Cardin
Olá Berta,
Pierre Cardin morreu em dezembro de 2020, aos 98 anos, e 4 anos depois, este ano, também em dezembro, morreu Isak Andic, o co-fundador, junto com o irmão, da marca de pronto-a-vestir Mango. Andic morre por andar a fazer escalada aos 71 anos de idade e cair por uma ravina abaixo numa queda de 150 metros. E foi por estas mortes estarem separadas por estes 4 anos, Berta, que usei a ligação entre elas para te falar de Pierre Cardin 4 anos depois da sua morte, um homem único que inscreveu a pulso o seu nome na história da moda mundial. Já a história da ascensão e queda de Isak Andic é muito menos interessante e nada tem a ver com a alta costura.
Retomando o assunto de Pierre Cardin, fez 4 anos que te escrevi sobre a morte deste homem da moda. E isto porque Pierre Cardin é mesmo um dos poucos estilistas por quem tenho consideração e respeito. Nasceu no pequeno vilarejo de Sant'Andrea di Barbarana, no Vêneto, nordeste da Itália, e os seus pais, uns pobres agricultores, emigram para França em 1924. Tinha Pierre apenas 2 anos de idade.
Em 1936, o jovem Pierre começou a sua aprendizagem aos quatorze anos, com um alfaiate de Saint-Étienne. Depois de uma passagem no atelier de Manby, em Vichy, em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, transfere-se para Paris, onde estuda arquitetura e trabalha com Madame Paquin, que, diga-se, em boa verdade, foi uma das primeiras verdadeiras estilistas da história da moda e teve forte influência da art déco nas suas criações, do início do século XX.
Trabalhou com Elsa Schiaparelli, a percursora da moda criada para a mulher moderna, até se tornar chefe do atelier dos alfaiates de Christian Dior, em 1947, aos 25 anos de idade, ou seja, quis a sorte que trabalhasse com alguns dos mais emergentes e posteriormente famosos nomes da moda francesa de então.
Porém, nem tudo foram rosas e a sua candidatura não foi aceite pela casa de moda Balenciaga, do estilista espanhol Cristóbal Balenciaga, considerado o arquiteto da alta costura pelo seu amplo conhecimento na confeção dos trajes e utilização de linhas puras contando ainda com o perfeccionismo, que era sua imagem de marca e que desde 2001 pertence ao Grupo Gucci.
Perante este revés Cardin funda a sua própria casa em 1950, aos 28 anos e lança-se na alta costura três anos depois. Acabaria por ficar conhecido pelo seu estilo de vanguarda e pelos seus trabalhos inspirados na "era espacial", com formatos e motivos geométricos, frequentemente ignorando a forma feminina. Cardin investiu também nas roupas unissexo, algumas vezes experimentais. Em 1954, introduziu o "vestido bolha". Ao lado de Paco Rabanne e André Courrèges, Cardin formou a "tríplice aliança" do futurismo na moda, tornando-se assim, um dos fundadores do movimento. Chegando, inclusivamente, a desenhar um fato espacial para a NASA.
Cardin foi igualmente o primeiro costureiro a considerar o Japão como um mercado de alta moda, quando para lá viajou em 1959. Esse foi o ano em que Pierre Cardin foi expulso de Chambre Syndicale de la Haute Couture por lançar uma coleção Prêt-à-porter (pronto-a-vestir) para a cadeia de grande consumo da Printemps, mas não demorou a ser reintegrado.
Contudo, em 1966, renuncia ao seu lugar na Chambre Syndicale e passa a exibir suas coleções no seu próprio espaço, o Espace Cardin, (outrora Théâtre des Ambassadeurs) aberto em 1971 na capital francesa. O Espace Cardin também é usado para promover novos talentos artísticos, como conjuntos de teatro, de música, etc. Em 1981, comprou os famosos restaurantes franceses Maxim's.
Pierre Cardin foi o primeiro estilista a fazer parte da Academia Francesa de Belas Artes ainda em 1992. Um feito inimaginável realizado por um estilista, que, por mérito próprio é reconhecido ao mais alto nível pelos seus pares. Percebendo a existência de um mercado praticamente inexplorado, passou a investir no mercado de design masculino, conquistando alguns fãs famosos como os Beatles e Salvador Dalí, e chegou mesmo a ultrapassar o lucro obtido com as suas coleções femininas.
Pierre Cardin foi membro da Chambre Syndicale entre 1953 e 1993.Como muitos designers de moda da atualidade, em 1994, Cardin decidiu mostrar a sua coleção apenas a um pequeno círculo de clientes e jornalistas selecionados, tendo obtido um sucesso avassalador.
A sua marca, detém, atualmente oitocentas licenças em 140 países, e calcula-se que realize um movimento de aproximadamente 8 bilhões de euros em royalties, ou seja, na percentagem de lucro que a marca obtém sobre a venda dos seus produtos a terceiros. Com esta homenagem me despeço, por hoje, com um beijo de amizade e como teu amigo do peito,
Gil Saraiva