Carta à Berta nº. 339: Os Novos 4 Cavaleiros do Apocalipse - Morte - V/VI
Olá Berta,
Esta é a quinta carta que te escrevo sobre os 4 Cavaleiros do Apocalipse. Desta vez para te falar do cavaleiro do cavalo preto, o último dos 4, cuja força reside na forte união que partilha com os outros 3, a Morte. Não é comum, nos dias que correm ouvirmos a palavra. Com efeito, cara confidente, a comunicação social, tem vindo a aprimorar a forma gentil como fala de Morte, principalmente da Morte de seres humanos.
Em situação de Guerra não nos comunicam o número de Mortos, nada disso, falam do número de Baixas, no caso da Fome escutamos a palavra Óbitos, para a Peste, por seu turno, a escolha recair sobre o termo Vítimas. E mesmo quando falam especificamente dos Mortos a palavra é substituída por Falecimentos ou Falecidos. O ridículo, amiguinha, é quando substituem a frase “aqueles que já morreram” pela simpática expressão “aqueles que nos deixaram”.
Os sinónimos são tantos que nos parecem realidades paralelas que nos fazem esquecer a Morte. Falam de Desaparecidos, de Massacrados, de Abatidos, de Trucidados, de Chacinados, de Sacrificados, de Extintos, de Fuzilados, de Finados, de fatalmente Atingidos e Alvejados ou, ainda os Baleados. Relatam os Assassinados, os Martirizados, os Cadáveres e os Corpos, mas, minha cara, evitam os Mortos.
Quando o Rei faz anos, e quando já não dá mesmo para esconder, lá aparece a Morte, os Mortos e a Mortandade, mas é raro, muito raro. Todos os termos são bons para transformar a Morte em algo que parece menos grave do que a verdadeira realidade. Efetivamente, minha querida, é mais fácil ouvir falar em velar o Defunto do que o Morto, como se este pudesse ficar ofendido pelo uso do termo e, quiçá, virar Alma Penada.
A realidade, cara amiga, não precisa de tantos floreados, todos sabemos, desde muito cedo, que o avô não Partiu, mas que Morreu. Para Morrer, aliás, já diz o povo, basta estar vivo. É algo que faz parte da condição humana, das especificidades de todos os seres vivos.
É conhecida a lenda da fonte da juventude, o desejo profundo de enganar a Morte, ficando para sempre jovem e saudável, mas mesmo que a fábula, como por milagre, se tornasse realidade, Bertinha, mesmo assim, a Morte podia acontecer acidentalmente, por muito que fossemos jovens e saudáveis.
Não há como enganar o Derradeiro Destino, chamado Morte. Ele vai vir, vai chegar e vai acontecer, quer queiramos quer não. Pode estar na moda tentar disfarçar a dureza dos factos e da vida, podem existir mil termos para não falar de Morte, mas não é por isso que ela deixa de existir. Por hoje é tudo, Berta, voltarei, para o epílogo final um destes dias. Beijo deste teu amigo de sempre,
Gil Saraiva