Carta à Berta n.º 612: Uso de Fogo Real Proibido na PSP
Olá Berta,
Hoje em dia, minha querida, para a Polícia de Segurança Pública usar uma arma de fogo com munições com projéteis reais é uma verdadeira dor de cabeça. Com efeito, as forças da ordem enfrentam o risco de processo disciplinar se o fizerem em eventos desportivos, em manifestações, em concertos e em qualquer atividade que envolva muita gente. Aliás, um polícia poder usar a sua arma e disparar fogo real é já, uma ação de exceção.
Faz lembrar a ida à guerra do Raul Solnado. Ainda te lembras, minha amiga? O soldado da rábula propunha-se a usar a bala presa por um fio, por forma a poder reaproveitar a dita cuja de todas as vezes que a usasse. Uma ideia que o seu superior rejeitou por haver a possibilidade de o fio se partir e se perder o fio e a bala, ficando tudo no prejuízo. Era assim a guerra vista pelo humorista.
No tempo atual tentar brincar às guerras com as multidões e em situações de desacato pode muito bem custar a vida ao desgraçado do polícia que tentar repor a ordem pública. Usar armas sem poder usar fogo real é como ser domador de leões e entrar na jaula apenas com um palito na mão em vez do chicote. O respeito, Bertinha, impõe-se pela autoridade poder vir a usar fogo real. Sem isso… bem… a farda vira disfarce de carnaval e a polícia bobo da corte. Os meliantes de hoje não vão para os confrontos com pistolas de água.
Mas imagina, amiguinha, que, numa eventualidade complicada, um polícia tem mesmo de usar fogo real. A papelada, a burocracia e os inquéritos a que tem de responder depois dessa ação, desincentivam qualquer agente a agir, da forma adequada, perante o perigo ou a ameaça real que possa vir a surgir.
Os bandidos e as pessoas perturbadas (seja porque motivo for) usam armas reais e fogo real e aplaudem alegremente que as forças da ordem estejam praticamente impedidas de o fazer. Se uma multidão se revolta no final de um jogo de futebol, bem… não será com um pacífico apelo à ordem pública que as coisas poderão serenar, minha querida.
A estupidez dos burocratas engravatados dos gabinetes dos governos, nomeadamente o do Ministério da Administração Interna, pode efetivamente salvar vidas no meio de uma revolta cega de uma multidão, mas deixa muito a desejar quanto à segurança e à própria vida (e sobrevivência) das forças da ordem. Não achas, Berta?
A PSP poderia ter ordens para apenas usar armas com fogo real, em situações de extrema necessidade. Isso seria compreensível. Porém, a lei atual, quer antes que a PSP se comporte como verbo de encher, situação que se pode vir a revelar dramática a muito curto prazo. Despeço-me, minha querida, com este pequeno desabafo, recebe um beijo saudoso deste teu velho amigo,
Gil Saraiva