Carta à Berta n.º 593: Monkeypox, a Varíola dos Macacos e a Herança LGBTQIA+
Olá Berta,
Esta moda atual do politicamente correto, dos falsos pruridos de não chamar as coisas pelos nomes, para que não pensem que somos preconceituosos, devia ter limites definidos e claros. Os termos: maricas, paneleiro, rabeta, fufa, travesti, por exemplo, foram diplomática e socialmente substituídos por designações bem mais enigmáticas e de significado muitas vezes dúbio, sendo alguns referidos apenas em inglês, porque se deve evitar ofender aqueles e aquelas que se desviam do comportamento padrão da simples heterossexualidade.
O LGBTQIA+, tornou-se de uma sigla (para resumir padrões de inclusão generalizada de pessoas com diferentes aspetos comportamentais no que respeita às suas orientações ou tendências sexuais ou à sua identidade de género), quase numa palavra inclusiva e abrangente para aglutinar, num só movimento político e social, a defesa da diversidade sexual e de género, procurando uma maior representatividade e consequente implementação legal dos direitos inclusivos dessa população. O termo peca no meu entender, minha amiga, por se ter tornado demasiado extenso e menos claro de quanto se designava simplesmente por LGBT e quanto muito deveria designar-se por LGBT+.
Porém, há inclusivamente, hoje em dia, quem queira alargar ainda mais a sigla, já por si demasiado extensa, para LGBTQQICAAPF2K+ (usado para designar, nomeadamente, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgéneros, “Queer”, Questionando, Intersexuais, Curioso, Assexuais, Aliados, “Pansexuais”, “Polissexuais”, Familiares, 2-espíritos e “Kink”). Parece piada, amiga Berta, eu sei, mas a designação existe.
Contudo, não me vou alargar mais nestas explicações, afinal já te falei no assunto na carta número 558 em 21 de outubro de 2021, a propósito da homossexualidade de Paulo Rangel e não pretendo hoje alargar-me mais nesta temática, por mais interessante que o assunto possa ser, minha boa amiga Berta.
O assunto da nossa conversa, minha querida, é outro que, por acaso, toca esta comunidade, segundo o meu entendimento. Estou a falar da “monkeypox”, também designada por, “varíola dos macacos”.
Sabias, Berta, que 95% dos casos de “monkeypox” são transmitidos por via sexual? Sabias que 91% das transmissões se fizeram entre homens que praticam sexo com outros homens? Sabias que 100% dos casos conhecidos ocorreram entre a comunidade LGBT ou por interação direta de elementos desta comunidade e pessoas fora da mesma? Eu não o sabia, amiguinha, pelo menos desta forma tão clara, ou seja, sabia da existência de uma forte relação entre a doença e os homens homossexuais e bissexuais, apenas isso. Porém, a última investigação muda o paradigma.
Vamos aos factos. Uma investigação científica, a última e a mais vasta de que há memória, foi publicada no New England Journal of Medicine nesta quinta-feira passada, ou seja, ontem. O estudo, e posterior análise, foi liderado por cientistas da Queen Mary University of London. Esta nova publicação refere a analise de 528 infeções confirmadas em 16 países, entre 27 de abril e 24 de junho de 2022. É, portanto, Berta, recente e muito abrangente.
O porta-voz da investigação, o Doutor John Thornhill, disse, cara amiga, que: “É importante enfatizar que a monkeypox não é uma infeção sexualmente transmissível no sentido tradicional; pode ser adquirida através de qualquer tipo de contacto físico próximo” … “No entanto, o nosso trabalho sugere que a maioria das transmissões até agora está relacionada à atividade sexual - principalmente, mas não exclusivamente, entre homens que fazem sexo com homens” … “Este estudo de pesquisa aumenta a nossa compreensão sobre as maneiras como se espalha e os grupos em que está a ser espalhado, o que ajudará na identificação rápida de novos casos e permitirá oferecerem estratégias de prevenção” … “Os resultados clínicos nesta série de casos foram tranquilizadores” ... “A maioria dos casos foi leve e autolimitada, e não houve mortes. Embora 13% das pessoas tenham sido internadas num hospital, nenhuma complicação grave foi relatada na maioria das pessoas internadas”.
Convém destacar ainda mais algumas conclusões do estudo:
Por regra, Berta, 98% dos infetados são homens gays ou bissexuais, 41% têm HIV e uma idade média de 38 anos. Igualmente relevante foi o facto de que o número médio de parceiros sexuais nos três meses anteriores ter sido de cinco, e cerca de um terço admitiu ainda ter visitado locais de sexo, como festas de sexo ou saunas no mês anterior.
Embora a atividade sexual seja a consequência da maioria dos casos, os investigadores realçaram que o vírus se pode espalhar por meio de qualquer contacto físico próximo, como gotículas respiratórias e potencialmente através de roupas e outras superfícies entre os primeiros infetados e pessoas externas ao meio, mas com relações próximas com estes elementos, o que querida Berta, é preocupante.
Muitos dos infetados, cara amiga, apresentaram sintomas não associados anteriormente à também chamada de varíola dos macacos, incluindo lesões genitais únicas e feridas na boca ou no ânus. Estes são semelhantes aos de infeções sexualmente transmissíveis e podem levar a erros de diagnóstico, afirmam os cientistas.
É de realçar ainda, Berta, que o ADN do vírus Monkeypox estava presente no sémen de 29 das 32 pessoas selecionadas para uma testagem mais detalhada, mas ainda não está claro se esse conteúdo, agora descoberto, tem a capacidade de transmitir a doença.
Nos Estados Unidos, apenas para dar um exemplo, mais de 780 mil doses da vacina contra o vírus Monkeypox foram disponibilizadas a partir de hoje, após várias queixas sobre a falta de tratamento para a doença, passando assim o número total garantido de vacinas à disposição, até ao momento, para 1,1 milhões, só neste país. Porém, minha querida, algo me diz que este número ainda vai crescer, e muito, nos tempos mais próximos.
Entre final de maio e a atualidade, Berta, o número de infeções e casos tem vindo a aumentar na América. Se há quinze dias havia 1.500 infetados, hoje já estão registadas mais de 4.600 infeções.
A realidade é que os relacionamentos de proximidade da comunidade de homens homossexuais e bissexuais com a generalidade da sociedade está efetivamente a alastrar a doença para o âmbito da população geral, minha querida. Prova disso é o facto de já haverem, pelo menos, duas mulheres infetadas com a varíola dos macacos.
Em conclusão, e antes de terminar e me despedir por hoje, querida Berta, acho que a comunidade científica devia assumir claramente que aquilo que começou por ser um vírus transmitido entre homens homossexuais e bissexuais, corre sérios riscos, pela facilidade de transmissão de proximidade, de se tornar, rapidamente, na nova pandemia desta década.
Há que tomar medidas e chamar as coisas pelos nomes, sem medos nem pruridos. Fica com um beijo deste teu amigo de hoje e sempre,
Gil Saraiva