Carta à Berta: Miss Universo
Olá Berta,
Como estás minha querida amiga? Espero que tudo continue pelo melhor por essas terras algarvias. Por aqui, as coisas vão saudosas da tua companhia, mas calmas. Recebi mais um selo de participação do “tripavisor”, pelas minhas opiniões sobre restauração e hotelaria, principalmente no que diz respeito ao Bairro de Campo de Ourique. Fiquei surpreso por saber que me encontro no escalão dos 20 porcento, entre aqueles cujas críticas são mais consultadas no site, no que se refere à capital.
Julgo que terás assistido este domingo à eleição de Miss Universo 2019. Embora eu não entenda muito bem o que tu vês de interessante nesse concurso, porque, em definitivo, não é a minha praia, acabei por assistir por me lembrar que tu adoras a prova.
Deves estar feliz, ganhou o antirracismo, coisa que já não acontecia tão manifestamente desde 2011. Porém, quedo-me a pensar se a notória tendência do júri, para esta glorificação do antirracismo, não acaba, ela mesma, por se tornar racista. Afinal, às mulheres brancas deste ano, nem que fossem as mais perfeitas “Cinderelas” ou “Brancas de Neve” de nada lhes teria valido, melhor teriam feito se nem tivessem entrado no concurso. Já sei que vais reclamar comigo. Perguntar-me pelos outros anos onde só ganharam as meninas de raça branca. Tens alguma razão.
É a questão do copo meio cheio ou meio vazio. Embora este ano eu ache que foi demasiado exagerada a tendência de premiar a cor da pele e as origens das concorrentes. Afinal a vencedora é da África do Sul, a concorrente negra Zozibini Tunzi; a primeira dama de honor, Madison Anderson, veio de Porto Rico, e, embora seja loira, traz o carimbo bem conhecido pelos americanos de ser porto-riquenha, povo que eles rotulam com slogans bem racistas. Ora, ainda por cima, a segunda dama de honor é mexicana, Sofia Aragón, cuja fisionomia e o olhar deixam bem patentes a sua origem latina.
Tu sabes que eu não gosto deste concurso que premeia as mulheres enquanto objetos de cobiça masculina e escusas de me dizer que, atualmente, já existem parâmetros que levam em linha de conta outros fatores. O facto é que nunca uma bruxa ganhará o concurso, portanto, o critério de bibelot será sempre o mais valorizado. Os outros só existem para amenizar as vozes críticas.
Mas não penses que sou apenas contra este concurso, o de Mister Universo, dos machos estereotipados, é-me igualmente adverso. Não precisas de me lembrar que, para mim, homem sem pelos é como cowboy sem chapéu e sem pistolas. Não é isso que está em causa, mas sim, e sempre, as ideias por detrás destes pódios. Podem mudar-lhes as regras de mil maneiras e feitios que de nada valerá. No meu entender bonecas e machos são estereótipos de um passado.
Devo-te confessar que só assisti a partes do concurso, embora goste de ver mulheres bonitas na televisão, a ideia de montra e o meu antagonismo anti machista, mesmo sem eu querer, acaba por prevalecer. Não fiques zangada comigo. Tens todo o direito de pensar de maneira diferente e eu respeito isso.
Quanto a mim, todo o concurso é uma imensa hipocrisia. Deixo-te aqui as palavras que a vencedora proferiu depois da vitória, segundo o site do MSN Notícias, quando lhe perguntaram o que faltava, ainda, nos nossos dias, às mulheres: "Liderança. É algo que falta a mulheres e mulheres jovens há muito tempo, não porque elas não a desejavam, mas por causa de como a sociedade rotulou como as mulheres deveriam ser." (o português da tradução é da responsabilidade do site).
Tu achas que é ganhando este tipo de títulos que as mulheres vão alcançar a liderança, minha querida? Enfim, como sei que temos opiniões opostas, não vou mais bater na ceguinha. Já te fiz despertar, quanto baste, o sentido critico. Despeço-me com um beijo. Este teu eterno amigo que jamais te esquece,
Gil Saraiva