Carta à Berta: Memórias de Haragano - Confissões em Português - Parte XI
Olá Berta,
Depois de me abrir nestas pequenas narrativas, sobre a minha ascendência, não vejo problema em passar à descendência. Tudo isto faz parte das Confissões de um Português em Português. Problemático seria referir-me à vida e intimidade de terceiros, sem o seu devido conhecimento e consentimento.
Contudo, tal como fiz até aqui, se reparares bem, apenas falo de mim relativamente a sentimentos e pensamentos e, o que digo sobre os outros intervenientes, é meramente explicado na minha perspetiva, alegadamente correta, do que racionalmente constato como verdadeiro.
Não me considero nem vítima, nem herói deste filme que constitui a minha vida. Julgo, isso sim, enquanto não me pesar a consciência, que serei uma pessoa feliz e de bem com a vida. Tenho, como ser humano, defeitos e qualidades. Não me acho pior, nem melhor que terceiros, mas estou convicto de que sou único e diferente enquanto individuo.
Herdei alguns dos defeitos menos bonitos do meu pai. Por exemplo, quanto corto uma relação com alguém, seja a que nível for, do mero conhecimento informal, à amizade ou à família, é para sempre e não há maneira, forma ou jeito de poder voltar atrás. Com efeito, nem mesmo se esse corte me dilacere a alma e embargue o coração. Se foi um ato consciente está resolvido e arquivado. Passemos ao capítulo:
Memórias de Haragano: Confissões em Português – Parte XI
“Infelizmente por força do meu próprio divórcio, o primeiro, ao fim de 17 anos de casamento, passei a acompanhar a educação dos meus filhos (a partir dos nove anos de idade de um e dos catorze anos da outra), à distância. Sei também, com uma grande certeza que isso influenciou negativamente a vida deles… não há soluções fáceis, nem mesmo coelhos a saltarem sorridentes de chapéus, na vida de cada um de nós, antes houvesse...
Afinal, quando se diz, num caso deste tipo, que a solução foi fácil é porque, logo à partida, o problema nem sequer existia e, portanto, esse casamento não passava de uma folha de papel registada.
Infelizmente, para mim, foi precisamente o inverso, ou seja, tratou-se de uma situação imensamente complicada, embora tenha sempre evitado demonstrá-la quer à pessoa de quem me separei, quer principalmente aos meus filhos. A estes, já lhes bastava a crua realidade de perderem a presença do pai.
Também nunca lhes expliquei porque é que a mãe se quis separar de mim, nem as palavras absolutamente cruéis e injustas que me disse, quando me pediu o divórcio. Efetivamente, para ser franco, nem quando a mãe de ambos, que ficou com a custódia deles, distorceu toda a história da separação eu lhes quis mostrar o meu lado da razão.”
Ficamos por aqui e seguiremos o nosso curso na próxima carta, minha amiga. Recebe um beijo de até amanhã, com os mimos e rococós do costume, deste teu amigo sempre presente, embora distante,
Gil Saraiva