Carta à Berta: Livro - O diário Secreto do Senhor da Bruma - III - Conversas com a Consciência
(início - III - 1)
Olá Berta,
Vou entrar hoje no campo da minha consciência. É verdade, é mais um capítulo do Diário Secreto do Senhor da Bruma. O terceiro em que me dedico a 2 temas que me são queridos: a minha consciência e os pensadores que a ajudaram a moldar. Ao fim e ao cabo, é apenas um só tema, tem é essas 2 partes distintas.
Todavia, como é evidente, o meio onde cresci influenciou a minha forma de pensar, sentir, agir e reagir. Dentro desse ambiente o principal fator de influência foi, sem dúvida alguma, a família, com destaque evidente para os meus pais. Tudo ajuda a formar a nossa consciência, genes, meio e ensino e foi a formação e a minha absurda imaginação que contribuíram para uma educação mais diversificada e abrangente do que seria expetável. Contudo, importa é realmente entrar nesse capítulo e acompanhar aquilo a que eu pomposamente chamo de minha consciência. É aqui que entra o terceiro capítulo do diário:
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III
Conversas com a Consciência
(início - III - 1)
Março, dia 21:
As Conversas com a Consciência são parte integrante de mim. A importância e absoluta relevância na minha vida, da consciência, deve-se principalmente ao facto de eu não ter aquilo que, normalmente, se considera uma fé ou, mais especificamente, uma religião. Tecnicamente serei um ateu, que acredita em coisas, que a ciência ainda não explicou devidamente ou para as quais ainda nem sequer tem qualquer tipo de abordagem séria. Por outras palavras eu tenho uma faceta mística, mas não procuro catalogá-la ou dar-lhe um nome de modo a que possa ser considerada transcendente ou divina.
Março, dia 22:
Porém, embora lhe reconheça importância na formação do ser humano, a falta dessa vertente de espiritualidade religiosa é, no meu caso concreto, substituída pela minha consciência, com a qual eu preciso de estar permanentemente em paz. É nela que encontro a distinção entre bem e mal, certo e errado, limites e fronteiras de procedimentos e comportamentos. No seu seio balizo os valores e os princípios que considero relevantes, bem como foi em torno dela que construi a minha personalidade.
Março, dia 23:
Esta noção clara da consciência permite-me ter uma orientação segura em toda a minha existência. Se alguma coisa foge à alçada dela então é algo que não me interessa e que eu evitarei a todo custo praticar. Muitas vezes o que é lei no meu país, ou noutros se for o caso de me encontrar deslocado, em pouco corresponde ao que eu considero certo, correto e aceitável. O mesmo se passa nos campos das principais religiões, de algumas filosofias e da moral ou dos chamados bons costumes. Em resumo, embora tente viver de acordo com as normas da sociedade onde estou integrado o que, em última análise, rege a minha vida é aquilo que faço dentro do que é aceite e considerado correto pela minha consciência.
Março, dia 24:
Para além da consciência existe um conceito filosófico que eu criei para explicar toda a história e comportamento da humanidade. Chamei-lhe de “Afinismo”. As pessoas crescem, evoluem e atuam de acordo com os laços e preferências que cada uma delas desenvolve no seio da sociedade onde vive. As escolhas políticas, religiosas, sociais e muitas outras como as clubísticas ou cultuais, definem com quem convivemos, por onde vamos, o que queremos, fazemos ou desejamos. No meu caso este “Afinismo Cognitivo e Mítico” é o molde perfeito da minha consciência.
Março, dia 25:
Sou tão influenciável como qualquer outro cidadão. Tento, muitas vezes, filtrar algumas influências, mas nem sempre escapo aos “afinismos” evidentes do meu quotidiano, afinal, mesmo pensando como penso, não deixo de ser um ser social. Durante mais de 3 anos frequentei a Faculdade de Letras, curso de Filosofia, da Universidade do Porto. Não acabei esse curso porque estava ali por prazer e não para aturar um ou outro professor mentecapto que julgava que ser professor universitário lhe dá o direito de rebaixar os seus pupilos. O caso que me levou a sair nem foi comigo, todavia, os sopapos no docente fui eu que os distribui. Coisas da minha consciência, fazer o quê? Na altura, sendo o aluno mais velho do curso, aprendia, enquanto trabalhava na sede da Alfândega do Porto como funcionário aduaneiro, a importância da filosofia para a humanidade, como “hobby”.
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Esta história tem continuidade amanhã e tu, minha querida amiga Berta, terás de esperar um dia para saberes como termina. Não penses que estou a fazer de propósito ou a deixar deliberadamente o suspense no ar. Nada disso. O problema é que já vou adiantado por hoje, e em demasia, nesta nossa carta diária.
Não posso abusar da narrativa ou arrisco a perder-te enquanto leitora, coisa que tentarei evitar a todo o custo. As nossas conversas funcionam como um escape maravilhoso para a minha estabilidade e bem-estar geral. Sem ti, e isso é fundamental para mim, estaria a falar com o espelho, com o problema deste ser silencioso em demasia.
Espero que aproveites o calor para poderes fazer uma excelente praia. Hoje e amanhã o verão promete não desiludir ninguém que dele goste. Despeço-me com um beijo repleto de saudade, este teu amigo, sempre ao dispor para o que der e vier,
Gil Saraiva