Carta à Berta: Campo de Ourique - Eduardo dos Livros - Nova Ação de Despejo - Parte II/II
Olá Berta,
Terminando a carta de ontem, sobre “O Que Se Passa em Campo de Ourique?” sem “Entrevista à Mesa do Café”, no que concerne à loja do Eduardo dos Livros e à Nova Ação de Despejo, resta-me completar hoje a Parte II/II. Efetivamente, tudo deveria ter ficado resolvido, aparentemente em 2019, quando a loja foi proposta ao programa municipal que a protegia, por pelo menos mais dez anos, de qualquer tentativa do fundo de tomar posse da mesma, ou seja, à categoria de “Loja com História”.
É sabido que, na época, várias das propostas a que a iniciativa fosse tomada partiram do Bloco de Esquerda e do PCP que chegaram, inclusivamente, a usar o exemplo do que estava a acontecer com o “Eduardo dos Livros”, para tentar defender todos aqueles inquilinos que, face à Lei Cristas ou Nova Lei das Rendas, se viam na eminência de serem despejados depois de décadas a viver em apartamentos que lhes estavam alugados ou de lojas arrendadas, também há muitos e muitos anos, pelos senhorios.
Porém, segundo os relatos da época na imprensa, a loja “Eduardo dos Livros” não foi considerada pelo programa “Lojas com História” por apenas usufruir de oito dos onze indicadores ou pontos necessários para poder conseguir este estatuto e por isso mesmo esta proteção ter-lhe-á sido negada em sessão da Câmara Municipal de Lisboa.
Há, contudo, uma versão, vinda dos corredores da Câmara, que conta uma história diferente, segundo a qual, depois de se terem conseguido contornar todos os indicadores, foi Fernando Medina quem se recusou a validar a proposta, com a desculpa esfarrapada de não querer abrir mais precedentes na autarquia prejudiciais ao setor imobiliário. Infelizmente esta minha declaração terá de ficar no âmbito do “alegadamente” uma vez que as fontes, que me garantiram a veracidade da informação, se recusarem a vir a público dar a cara, com receios, no seu dizer fundados, de poderem serem alvos de futuras represálias.
No ar ficará, independentemente dos factos ocorridos, a dúvida sobre quais foram as motivações da Câmara Municipal de Lisboa de contrariar uma medida aprovada por unanimidade pela Junta de Freguesia de Campo de Ourique, também ela socialista, de considerar a loja do “Eduardo dos Livros” como devendo ser protegida pelo programa municipal de “Lojas com História”.
O que me espanta mais é que, sendo o Eduardo dos Livros a mais antiga loja de Campo de Ourique, inaugurada em mil novecentos e sessenta e quatro, não tenha tido o direito de ser classificada como “Loja com História” pela Câmara Municipal de Lisboa. O que falta à “Eduardo dos Livros”? Teias de aranha? Mobiliário de mogno ou de cerejeira? Um gigante candeeiro com penduricalhos de cristal de Alcobaça com a assinatura da velhinha e prestigiada marca Atlantis?
O facto é que, está mesmo a terminar o prazo da terceira ordem de despejo à “Eduardo dos Livros”. Maria Helena Pereira vem resistindo, à custa de muitos cabelos brancos, desde 2018, a esta terrível situação. Subsistir de quê, se perder o direito a continuar na fonte do seu sustento, quando ainda nem sequer tem idade para se reformar?
Para cúmulo, e porque uma desgraça nunca vem só, a VASP, a principal distribuidora de jornais e revistas, começou, de há uns poucos meses a esta parte, a cobrar aos lojistas, já que não pode aumentar os preços dos editores, um euro e meio por dia a que acresce mais um euro ao domingo, para entregar nos quiosques, livrarias e tabacarias, as encomendas que lhes são devidas.
O argumento da distribuidora é que tem de distribuir pelos clientes finais, as lojas, os custos de perda de rentabilidade devida à pandemia de Covid-19, ou seja, por outras palavras, a VASP é mais um vampiro, morcego ou pangolim a sugar o sangue ao mexilhão, os desgraçados dos pontos de venda, que não têm como se defender por estarem no fim da cadeia alimentar. Mais uma vez é o “paga e não bufes” contra uma atividade cada vez mais estrangulada nas margens de lucro da sua atividade e na drástica diminuição de clientes face às contingências da pandemia.
Tudo isto, amiga Berta, se vai acumulando, nas tristezas de um povo, cada vez mais descontente e, por isso mesmo, disposto a medidas mais radicais ou a ideias até há pouco tempo consideradas absurdas. O mal vem do afastamento, cada vez mais profundo, entre a população desprotegida e carente e as elites do poder ou da representatividade democrática. Eu sou uma pessoa de esperança, pode ser que o final da pandemia consiga trazer ao de cima um estado mais solidário e atento às necessidades daqueles que governa ou administra.
Por hoje termino com os votos de que a dona Maria Helena Pereira, consiga levar de vencida mais esta grande batalha contra a injustiça que recai sobre quem é pequenino e não tem os recursos dos poderosos. Deixo um beijo de despedida e até uma próxima carta, este teu eterno amigo,
Gil Saraiva