Carta à Berta: Ando a Pensar em Morrer...
Olá Berta,
Esta é a minha carta número 200 para ti e estamos quase a fazer 7 meses de correspondência. Será que ainda não estás farta de me ler? Se e quando isso acontecer espero que me avises para eu parar. Detestaria estar a ser um chato em vez de um amigo. Hoje vou enviar-te uma lista sobre o que pensei relativamente à minha morte algures num futuro que há de chegar.
Ando a pensar em morrer, mas preciso de uma maneira original:
- Não consigo morrer com dignidade porque não existe dignidade em morrer.
- Não consigo morrer de tédio a ver programas políticos na televisão.
- Não consigo morrer de prazer até porque ia querer sempre mais um bocadinho...
- Não consigo morrer a rir porque não teria graça nenhuma.
- Não consigo morrer na banheira porque sou dos que só toma duche.
- Não consigo morrer a comer porque não aceito morrer a fazer algo de que gosto.
- Não consigo morrer de velhice porque ainda não cheguei lá.
- Não consigo morrer estúpido por motivos óbvios.
- Não consigo morrer na praia porque seria um desperdício.
- Não consigo morrer famoso, mas isso é por falta de cunhas.
- Não consigo morrer queimado por ser uma morte estúpida.
- Não consigo morrer com depressão pois a troika já passou.
- Não consigo morrer de saudades porque depois não tinha como as matar.
- Não consigo morrer de frio porque prefiro o calor.
- Não consigo morrer afogado porque aprendi cedo a nadar.
- Não consigo morrer no anonimato porque sei bem quem sou.
- Não consigo morrer bêbado porque depois não me ia lembrar que morri.
- Não consigo morrer de morte macaca uma vez que não sou símio.
- Não consigo morrer de fome porque adoro comer.
- Não consigo morrer por dentro porque ninguém ia saber.
- Não consigo morrer pobre porque leva demasiado tempo.
- Não consigo morrer rico, mas a ideia parece-me bem.
- Não consigo morrer pobre porque tenho uma rica imaginação.
- Não consigo morrer como um homem porque ficaria a parecer que não o era.
- Não consigo morrer de medo até porque tenho medo de morrer.
- Não consigo morrer por morrer porque não faria sentido.
- Não consigo morrer doente porque a morte seria o fim da doença.
- Não consigo morrer de confinamento porque adoro a minha solidão.
- Não consigo morrer de Covid-19, porque detesto ser apenas mais um.
- Acho que consigo morrer de amores porque amor só pode haver um.
Com esta minha lista deveras revolucionária me despeço de ti com amizade e um beijo,
Gil Saraiva