Carta à Berta: Andam a Roubar a Língua Portuguesa
Olá Berta,
A minha carta de hoje, foge à saga que me encontrava a descrever porque, sem querer, à procura de outros dados e informações na internet, pude constatar, uma vez mais, a falta de respeito com que, os usuários originais da língua anglo-saxónica, sejam eles americanos ou oriundos da Grã-Bretanha, fazem do uso de palavras, que não lhes pertencem originariamente.
Se não estivéssemos sob a influência da pandemia gerada pelo coronavírus, se estes não fossem tempos de confinamento graças à famigerada doença Covid-19 (que os especialistas da linguagem dizem ser uma palavra feminina por se referir a uma doença, coisa de que eu discordo, pois se assim fosse Ébola também seria uma palavra feminina e é masculina), talvez eu não tivesse feito a procura que efetuei e não tivesse descoberto o desaforo absurdo que me encontro a descrever.
Assim, regressando ao que te falava no primeiro parágrafo, com despeito total pelo cariz ofensivo para com o nosso idioma, os senhores usuários do inglês como meio de comunicação, registaram, sem qualquer pudor, o nome de um conjunto de serviços logísticos, com uma das mais pornográficas palavras do falar camoniano. Aliás, se o excesso fosse nosso eu ainda entendia, estaríamos no nosso pleno direito. Até pode parecer que a coisa foi por acaso, mas estou convencido do contrário.
Tudo isto para te dizer, minha amiga, que descobri, dias depois da UNESCO ter criado o Dia Mundial da Língua Portuguesa, a quarta língua mais falada do mundo que, a Coca-Cola, a marca mais conhecida do universo contemporâneo, despreza integralmente o valor do nosso idioma, pois que arrolou já este século, como Trademark (Marca Registada), para dele fazer uso sem qualquer vergonha na cara, um vernáculo integralmente português, com que batizou a sua linha de logística, engarrafamento e distribuição dos seus produtos na América e na Europa, ou seja, esta logística integrada de distribuição da Coca-Cola responde pelo nome de CONA.
Ora, que a Coca-Cola, que também detém o registo de Coke, faça uso da cocaína (cocaine em inglês) para demonstrar o seu lado irreverente, até porque a fórmula original usava extratos da noz-de-cola (também conhecido por café-do-sudão ou, simplesmente cola), planta rica em cafeína, e folhas de coca (sendo nome comum da planta “Coca” e o científico “Erythroxylum Coca”), é lá com ela.
As origens do xarope original, que misturava na primeira fórmula Coca e Cola, explicam perfeitamente o nome da marca, dando-lhe até um ar rebelde e inovador que dura desde o dia em que foi inventada, faz amanhã 134 anos, a 8 de maio de 1886 e, sobre isso, não tenho nada contra. Aliás, a Coca-Cola já provou bem o seu mérito e valor não apenas como refrigerante, mas igualmente como marca.
Contudo, o uso e o registo da CONA, no portfólio das marcas registadas pela Coca-Cola, já me irrita. Não só pela apropriação indecorosa do que é nosso de raiz, mas pelo à vontade com que foi feito, já no século XXI, repito, sem o menor pejo.
Se a Coca-Cola pretende dar um cheirinho atrativo, agradável, criativo e erótico à sua difusão pelo mundo ocidental acho muito bem, mas que diabo, arranjem outra palavra. Não tarda, por este caminho, um dos inventivos da empresa ainda se lembra de lançar a Coca-Cona.
Não, não e não! A CONA é nossa e não pode continuar a ser marca registada de uma qualquer empresa de refrigerantes, por maior que ela seja, e que se lembra, por dá cá aquela palha, de roubar uma palavra tão significativa ao léxico português. O ideal seria organizar-se uma petição nacional para que o nosso Ministério da Cultura exigisse à Coca-Cola a devolução da CONA a Portugal. Se no mundo alguém pode brincar com a CONA somos nós e não uma qualquer empresa imperialista, por mais difundida que esteja. Caramba, a Coca-Cola já tem o Pai Natal, não lhes chega? Juntos teremos de lutar pelo direito à CONA.
Despeço-me querida Berta, ainda indignado com tudo isto. Recebe um beijo deste teu amigo de sempre, em tempos de pandemia,
Gil Saraiva