Carta à Berta: Alma Gémea
Olá Berta,
Estou curioso de saber o que a minha querida amiga pensa sobre o amor? Já alguma vez teve a sorte de se cruzar com a sua alma gémea? Conforme sabe, eu tenho aquela minha teoria, sobre a qual já conversámos no passado, de que cada pessoa tem, em todo o mundo, 167 almas gémeas. O problema é encontrar uma delas, num universo de 7,8 biliões de pessoas, em tempo útil e nas condições necessárias, para que uma união possa acontecer. Não é mesmo nada fácil. Mas que acontece, acontece.
Há ainda a questão de saber o que fazer quando se encontra uma dessas escassas almas, mas quando as condições já não permitem a fusão entre ambos. A mim, que sou um rapaz (sim, sim rapaz, só aos 60 anos é que atinjo a meia idade, pois que continuo a ter a intenção de viver até aos 120 anos de idade), já me aconteceu. Porém, cheguei tarde, fora de contexto e sem me ser permitido sequer tentar sarar as chagas abertas nessa alma perfeita, que se recusava liminarmente a tentar uma nova oportunidade.
Ficámos amigos, pelo menos eu ainda tento essa hipótese, embora mesmo isso não esteja atualmente garantido. A vida cortou as asas e o bico a esse rouxinol, conforme reza aquela velhinha balada portuguesa, espero ter chegado a tempo de evitar que, no meio desta trama, ainda lhe seja roubada a noite, para que este rouxinol possa sobreviver.
Não fiquei com raiva, amiga Berta, nem mesmo culpei a outra parte. A vida é o que é. Por mais que se deseje retirar alguém de um labirinto isso não é algo de viável se, ao mesmo tempo, do outro lado o labirinto se tiver tornado o único lar possível.
Contingências da alma, do ser e da essência. Muito superiores, por vezes, à vontade de lutar contra a corrente. Quando um elo se quebra, nem sempre a sua reparação é viável, por mais que deste lado, de fora do problema, todos achemos o contrário. Afinal, não é a nossa opinião que conta, mas sim a de quem passou pela quebra. Contudo, não se trata de uma questão de se ficar com pena seja do que for. A vida é mesmo assim. Umas vezes chegamos a horas, outras, e acontece muito, já não se consegue apanhar um comboio que há muito abandonou a estação onde devíamos ter entrado.
Deixo-te no final do carta o link à balada de que te falei. Espero que gostes minha querida amiga. Despeço-me saudoso do teu sorriso, este amigo que sempre te recorda com carinho,
Gil Saraiva
PS: Cantilena - https://youtu.be/QhVrvVSVThQ