Carta à Berta: A População Portuguesa – Perspetivas
Olá minha querida Berta,
Acabei de reparar que esta já é a vigésima carta que te escrevo. Sabes o que isso significa? Quer dizer que te foste embora há já duas dezenas de dias. Não ligues aos arrufos deste que sente a tua falta. O importante é que estejas bem e feliz.
A novidade de hoje é a divulgação dos dados do INE, Instituto Nacional de Estatística, relativos a 2018, no que à evolução da população diz respeito. A conclusão continua desfavorável uma vez que a população existente continua a decrescer. As estatísticas do organismo são claras, Portugal perdeu mais 14 mil habitantes, face a 2017.
Não sou muito daqueles que gosta de jogar com os números para dizer barbaridades, uma vez que estes podem ser usados e interpretados de forma a ajustarem-se áquilo que defendemos. Porém, por estar curioso, resolvi comparar os dados dos últimos 20 anos. Estava com interesse em saber realmente o que se passou com a população desde os últimos 2 anos do século passado até 2018. Afinal, 20 anos é um quinto de século. Uma boa amostragem para podermos avaliar tendências. Fiquei satisfeito por saber que, arredondando as contas na casa dos milhares de pessoas, temos mais 58 mil residentes em 2018 (face a 1999). Infelizmente a minha satisfação ficou por aqui, todos os outros números são desastrosos seja qual for a perspetiva.
Atualmente, dos zero aos 24 anos, tendo o país mais 58 mil habitantes do que há 20 anos, perdemos 705 mil crianças e jovens. Uma verdadeira tragédia geracional. Passámos de 3 milhões e 74 mil jovens para 2 milhões 508 mil jovens abaixo dos 25 anos de idade, ou seja, em apenas 20 anos, desapareceram 22,4 porcento das crianças e jovens do país, em linha consonante com o que aconteceu entre 74 e 99..
Se este número se vier a repetir nos próximos 20 anos, chegaremos a 2038 com apenas 1 milhão 377 mil crianças e jovens até aos 24 anos, ou seja, em idade escolar. O que implicaria uma redução superior a 43 porcento desta faixa populacional. Agora se extrapolarmos isto para um igual período de tempo até 2078, a população escolar dos zero aos 24 anos existente em Portugal seria de apenas 459 mil indivíduos dos 0 aos 24 anos e estaríamos à beira da extinção enquanto povo.
Mas a coisa não melhora quando olhamos para a terceira idade, ou seja, para a população com 65 ou mais anos. Em 20 anos, até 2018 esta faixa etária aumentou em 601 mil idosos, qualquer coisa como mais 27 porcento de idosos do que em 1999. Isto aponta, se a tendência não se alterar no próximo ciclo de 20 anos, para mais um milhão e 202 mil seniores, um aumento de 52 porcento face a 1999, passando a constituir esta faixa etária um terço da população nacional em vez de um quinto que representava em 1999, ou seja, se nada for feito em 2078 os habitantes em Portugal seniores serão mais de 2 terços da atual população, atingindo o número absurdo de 6 milhões 912 mil.
Esta barbaridade absoluta colocaria a população ativa entre os 25 e os 64 anos com apenas 2,45 milhões de pessoas, tudo isto tendo em consideração que a população se mantem na casa dos 10 milhões de residentes, como nos últimos 20 anos, ou seja, o mesmo seria dizer que cada pessoa a trabalhar teria de suportar, com os seus impostos e com o seu vencimento 1 jovem a estudar e 3 pensionistas reformados. Algo absolutamente impraticável.
Pois é Berta, e este é o cenário favorável em que a população envelhece, mas se mantém estável em termos globais, porque, se a dada altura começar a decrescer face à constante diminuição de população jovem, então tudo se precipitaria não para daqui a 60 anos, mas para daqui a 30.
Não penses, minha amiga, que entre o 25 de abril de 1974 e 1998 a situação foi diferente, a única diferença foi que crescemos nesses anos quase 2 milhões em população por força do regresso dos emigrantes e graças aos retornados das ex-colónias. Mas nem isso mascarou o cenário horrível que tem assolado Portugal. Em 74 quase 50 porcento da população estava em idade escolar, eram perto de 4 milhões de crianças e jovens até aos 24 anos para 8 milhões e picos de população. Agora são 2,5 milhões na casa até aos 24 anos para mais de 10,275 milhões de habitantes, ou seja, perdemos 50% da nossa juventude em 44 anos.
É prioritário que o Estado tome medidas efetivas imediatamente, é impossível que eu seja o único a olhar para estes números. Aliás isto requer como nunca, a união esmagadora dos partidos com acento parlamentar numa política concertada de combate ao envelhecimento sem a contrapartida de um aumento gigantesco da natalidade. A gravidade dos números aponta para que sejam tomadas medidas ontem, porque amanhã poderá já ser demasiado tarde para reverter a situação.
Deixo-te um beijo saudoso, deste teu grande amigo que não te esquece,
Gil Saraiva