Carta à Berta: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: A Minha Saída - Os Detalhes do Absurdo - Parte II
Olá Berta,
Aqui estou eu para continuar o relato dos detalhes do absurdo da saída da minha rua no bairro de Campo de Ourique. Ontem fiquei a narrativa no momento em que fui informado que ninguém me viria buscar, lembras-te? Pois é, porém eu não desisto facilmente.
Para alguém com dores fortíssimas de estômago levar um murro daqueles era obra. Senti uma verdadeira pedra a ocupar-me toda a minha pança ou bandulho. O homem sugerira que apanhasse um táxi e fosse para o hospital. Era de malucos… eu não conseguia dar 3 passos a direito sem me encolher todo. Finalmente, depois de me escutar, lá achou que talvez eu pudesse chamar os bombeiros. Palavra de honra que aquele talvez, mexeu-me com os neurónios e com a minha dor. Agora parecia que a barra de dor era de aço inoxidável, inadvertidamente comecei a gemer que nem girafa a parir uma cria.
Ao me ouvir ganir o homem lá se decidiu a mandar-me ligar para os bombeiros. Terminada a chamada tive que arranjar um canto onde me encolher por alguns minutos. O raio da dor ocupava naquele momento 4 quintos do meu cérebro. Estive em posição fetal mais uns bons 15 minutos. Finalmente, com esforço, marquei o número dos bombeiros, a pensar que a minha espera chegara ao fim. Tudo aquilo era demasiado surreal para estar a acontecer.
A senhora que me atendeu foi muito simpática e depois de me ouvir, disse-me para aguardar em linha, pois tinha que ligar para o INEM. Achei aquilo surreal. Se eu lhe tinha acabado de informar que o INEM é que me mandara ligar para eles… tudo bem, dizia a voz feminina, porém, ela tinha mesmo que confirmar. Fazia tudo parte das novas regras. Tinha que ter paciência.
Finalmente, a resposta chegou. Não, o INEM não concordava comigo, pelo que não me poderiam vir buscar. Foi a primeira vez que o palavrão saiu. Era forte, gutural, profundo e trazia imensa revolta com ele. Desliguei e tornei ao 112, quem me atendeu reconheceu-me e informou-me que não iria passar ao INEM, afinal eu já sabia a objeção e desligou.
A tarde chegou e eu sem conseguir transporte, foi uma verdadeira batalha. Não! Batalhas. A cada derrota, dependendo do meu nível de dor, eu tinha que deixar o meu coeficiente de dor acalmar, como quem lambe as feridas da derrota, antes de partir para outra. Estava a chegar a um grau de desespero que se tornava insuportável.
Por hoje, fico-me por aqui, despeço-me com um beijinho amigo de amizade, o mesmo de todos os dias e sempre à tua disposição, com muita alegria no coração, pleno de saudades,
Gil Saraiva