Carta à Berta: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: A Minha Saída...
Olá Berta,
Continuo hoje o tema de: “A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique”. Rua que amanhã vou ter de abandonar, embora muito contrariado. Para os que por cá continuam vai o meu conselho de que mantenham o maior confinamento que vos for possível. Arranjem maneira de sair o menos possível, coordenado a ida ao supermercado com a aquisição de pão ou a deslocação ao banco, evitando desse modo 3 ou 4 saídas por semana.
Assim sendo, hoje venho dizer-te, com grande tristeza minha, que não poderei escrever-te nos próximos dias. Quando puder tentarei compensar-te com as cartas em falta. Com efeito, estou doente, o problema dura há 3 dias e, finalmente, lá me decidi a ir ao hospital, eu que tenho um pavor genuíno a esse local e a batas brancas, o que é algo que me deixa terrivelmente afetado. Amanhã, pela manhã, darei entrada no hospital São Francisco Xavier.
O meu problema não tem relação com o Covid-19. Tem a ver com dores em barra numa zona no estomago e que pode bem vir a ser, a minha segunda crise de vesícula, ou uma outra infeção qualquer. Os últimos anos têm sido complicados. Há 3 anos uma pedra entupiu-me o canal biliar e só por insistência de um médico estagiário não bati a bota com uma septicémia. Levei 4 meses a recuperar porque o meu médico se esqueceu de me dar o devido tratamento para o fígado, que foi bastante afetado pelo contraste administrado na operação. O ano passado foi a vez do AVC, aliás, 9 no total, num espaço de 6 meses.
Anos antes, muitos até, tive 6 meses em coma, devido a um problema relacionado com a explosão de um petardo na tropa, coisa que foi muito bem abafada pelo exército na altura e que para além da baixa de serviço militar por incapacidade física me deixou um ano e pouco a lutar contra a imobilidade causada pelo acidente e um tempo idêntico a recuperar de um problema de recuperação da fala, depois disso, por 2 vezes, separados por anos, 2 cancros de pele, sendo que o primeiro foi bem mais grave que o segundo.
Em resumo, com alguns azares, e sendo eu um otimista nato, considero tive muito poucos problemas de saúde. No entanto, ir, no meio desta crise, para um hospital, onde provavelmente ficarei internado, ainda me deixa mais inquieto que o normal. Tenho consciência que o meu pavor a hospitais vem do meu internamento no anexo do hospital militar onde passei alguns, muitos, meses, no passado, foi aí que ganhei esta espécie de fobia. Porém, tempos especiais obrigam a procedimentos diferenciados. Não sei bem como, mas parece-me evidente que vou ter de arranjar uma forma de vencer o meu tolo pavor.
Enfim, amiga Berta, deseja-me sorte, vou precisar dela mais uma vez. Podes não acreditar, mas mesmo tendo saído de casa apenas por 4 vezes nos últimos 47 dias, já estou com saudades do meu bairro, da minha rua e da minha casa. Deixo-te com um beijo saudoso, deste teu amigo de sempre,
Gil Saraiva