Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Os Prémios Lisboa com Alma visam destacar e galardoar algumas das maiores estrelas ao serviço de Campo de Ourique ou seja: o Maior Centro Comercial ao Ar Livre de Portugal. Estes Prémios envolvem a Restauração, o Comércio Lojista (incluindo Supermercados, Frutarias, Minimercados, Lojas de Conveniência e Quiosques) os Serviços Liberais, os Serviços Solidários, de Saúde e Sociais, os Espaços Desportivos, Recreativos, Artísticos e Culturais e os Espaços de Lazer, Culto e Segurança, da Freguesia e Bairro de Campo de Ourique.
Os Prémios atribuídos irão sendo revelados três a três ao longo desta semana, entre dia um de maio e o dia sete deste mês. Mas vamos ao primeiro trio:
Prémio Máximo de Superação de 2023/2024, com o Diploma Superlativo de Excelência – Vencedor: Movimento “Salvar o Jardim da Parada”.
Na Categoria: Espaços e Atividades de Solidariedade, Lazer, Culto e Segurança, do Bairro de Campo de Ourique – Vencedor: Movimento “Salvar o Jardim da Parada”.
Ambos os prémios atribuídos pela luta aguerrida com que, contra tudo e contra todos têm tentado alterar a localização da Estação de Metro prevista para o Jardim Teófilo de Braga, vulgo Jardim da Parada. Sempre com uma lisura e respeito não correspondido pelas pessoas e instituições adversas a esta mudança. Reunir, em petição, mais de 8.000 assinaturas, num bairro cuja população ronda as 22.000 almas, contando bebés, crianças e adolescentes é um feito cujo agradecimento e louvor aqui prestado fica muito aquém do que realmente este movimento merece por direito próprio e pelo empenho solidário e sacrificado de todos os seus elementos.
Na Categoria de o Melhor dos Melhores como: Restaurante de Bairro, do Bairro de Campo de Ourique – Vencedor: restaurante “Verde Gaio”.
O Restaurante fica situado na Rua Francisco Metrass nº. 18, 1350-142 Lisboa e tem mesmo que experimentar porque, seja carne ou seja peixe, sejam petiscos ou acompanhamentos, todos os pratos são servidos com comida fresca, em que se pode efetivamente confiar.
Aqui, a relação qualidade versus preço é sempre uma agradável surpresa, num restaurante que se moderniza a cada instante, tentando manter-se moderno, eficiente, limpo, atrativo, para conseguir conquistar cada vez mais um estatuto de restaurante familiar e de bairro de excelência comprovada. É notável poder comer com guardanapos de pano num restaurante onde o preço das refeições apenas pedia guardanapos de papel. Com efeito, tudo faz a diferença.
No comando da equipa o senhor Jorge gere não apenas o esforço do pessoal, em grande parte familiares, mas, igualmente, uma grelha a carvão como poucos o conseguem fazer. É escusado dizerem-lhe que a casa está perfeita pois este patrão empregado continua a pensar que para o mês que vem ou para o ano ainda pode fazer mais e melhor.
Os Prémios Lisboa com Alma tiveram início em 2012 e visam destacar e galardoar algumas das maiores estrelas ao serviço de Campo de Ourique ou seja: o Maior Centro Comercial ao Ar Livre de Portugal. Estes Prémios envolvem a Restauração, o Comércio Lojista (incluindo Supermercados, Frutarias, Minimercados, Lojas de Conveniência e Quiosques) os Serviços Liberais, os Serviços Solidários, de Saúde e Sociais, os Espaços Desportivos, Recreativos, Artísticos e Culturais e os Espaços de Lazer, Culto e Segurança, da Freguesia e Bairro de Campo de Ourique.
Serão entregues individualmente os seguintes diplomas:
Diploma Superlativo de Excelência
Espaços e Atividades de Solidariedade, Lazer, Culto e Segurança, do Bairro de Campo de Ourique
Restaurante de Bairro
Hamburgueria de Bairro
Pastelaria e/ou Padaria
Tasca e/ou Pequeno Restaurante
Restaurante Vegetariano e/ou Vegan
Restaurante Italiano e/ou Pizaria
Snack-bar
Cafetaria, Croissanteria, Leiraria, Casa de Chá e Geladaria (gelataria)
Restaurante de Petiscos e/ou Tapas
Restaurante Temático, Especializado, de Chef
Restaurante de/com Cozinha Internacional
Restaurante Regional
Restaurante de Peixe e/ou Marisqueira
Takeaway
Bar
Comércio Lojista (Loja Comercial de Retalho, Bazar, Supermercado, Frutaria, Minimercado, Loja de Conveniência e Quiosque)
Pequenos Serviços Comerciais (Espaços criativos)
Serviços (Liberais, Saúde e Sociais)
Espaços Desportivos, Recreativos, Artísticos e Culturais
Estes Prémios de Mérito são atribuídos pela marca apoiada pelos mais de 8.500 votos possíveis dos grupos do Facebook: Encontro de Palavras / Lisboa com Alma / Turma de Campo de Ourique / Viver Feliz em Campo de Ourique / Bairro de Campo de Ourique / Campo de Ourique. Assim, osPrémios Alma de Campo de Ourique 2023/2024são distribuídos no biénio 2023/2024 como Grandes Prémios do Melhor dos Melhores nas categorias: Diploma Superlativo de Excelência / Espaços e Atividades de Solidariedade, Lazer, Culto e Segurança / Comércio Lojista (Loja Comercial de Retalho, Bazar, Supermercado, Frutaria, Minimercado, Loja de Conveniência e Quiosque) / Pequenos Serviços Comerciais (Espaços criativos) / Serviços (Liberais, Saúde e Sociais) / Espaços Desportivos, Recreativos, Artísticos e Culturais e na área da Restauração são ainda distinguidos os seguintes tipos: Takeaway / Snack-Bar / Bar / Cafetaria, Croissanteria, Leiraria, Casa de Chá e Geladaria (gelataria) / Pastelaria e\ou Padaria / Restaurante de Petiscos e\ou Tapas / Restaurante Vegetariano e\ou Vegan / Restaurante Italiano e\ou Pizaria / Hamburgueria de Bairro / Tasca Tradicional e\ou Pequeno Restaurante / Restaurante de\com Cozinha Internacional / Restaurante de Peixe e\ou Marisqueira / Restaurante Temático, Especializado, de Chef / Restaurante Regional / Restaurante de Bairro.
O Diploma é válido e considerado ativo entre 01/05/2023 e 01/05/2025, altura em que serão entregues os prémios do biénio seguinte, cujas categorias poderão ser as mesmas ou ser alteradas consoante a deliberação do próximo júri.
Conforme já foi explicado anteriormente, o júri é constituído por 25 elementos dos grupos do Facebook atrás referidos, cujo voto tem peso dois, e pelos membros dos grupos que, através de mensagem enviada para mim, queiram votar e cujo voto tem peso um.
Os prémios refletem a opinião do júri e dos 8.500 membros pertencentes aos grupos participantes e são divulgados no próximo dia um de maio de 2023, sendo entregues até 5 de maio aos respetivos vencedores.
Gratos a todos os que já participaram e bem-vindos sejam os que até 30 de abril ainda venham a participar. Não se esqueçam que para votar basta enviar-me uma mensagem escrita. Obrigado.
O Primeiro-Ministro, António Costa é gay, querida amiga, e presentemente, tem um caso sério com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também ele gay. Trata-se de um caso amoroso e com o óbvio envolvimento sexual. Ao contrário do que possas imaginar isto não é um segredo nacional, o Correio da Manhã prepara-se para lançar a notícia em primeira mão. Não sei se o deveria ser ou não, mas de facto não parece haver qualquer tentativa de guardar segredo sobre o assunto.
Contudo, Bertinha, possivelmente devido aos cargos ocupados pelos protagonistas, a situação levou algum tempo a ser assumida por ambos os envolvidos. Os dois defendem que a sua intimidade nada tem a ver com as suas funções de Estado e que, devido ao facto de serem figuras institucionais, toda a relação é contida no foro estritamente privado, não influenciando sequer a distância institucional e constitucional que é devida ao poder executivo do Governo e ao poder de supervisão presidencial.
Pois é, Berta, os dois primeiros parágrafos desta carta, são totalmente falsos e não passam de mentiras. Então, porque é que, por um instante que seja, toda a gente hesita quando os lê? Porque, como diz o velho ditado: “Para a mentira parecer verdade, tem que trazer no seu fundo qualquer coisa de verdade.” É precisamente aqui que hoje em dia se agarram as “Fake News”, a desinformação, a fraude na internet, as falsas campanhas, as notícias manipuladas.
Todas elas partem de um condimento verdadeiro onde depois se mistura o enredo, seja ele qual for, em que se tenta convencer alguém, quantas mais pessoas melhor, cara amiga, de que os factos são conhecidos, até banais, que são realidade, que são baseados na ciência, na excelente qualidade dos estudos, dos cientistas, dos peritos ou dos especialistas, seja de que área for.
Por exemplo, Bertinha, se eu cito que um estudo, publicado por uma revista credível, de uma farmacêutica famosa, diz que usar um smartphone mais de uma hora seguida pode causar cancro no cérebro em 80% dos casos, ao fim de mais de 50 repetições desse exercício, quem me lê, mesmo sem ter como saber sequer se a farmacêutica alguma vez se debruçou sobre o tema em causa, é levado a pensar que o que essa revista descreve, é realmente um facto.
Analisemos o exemplo de cima:
É um facto de que: existem estudos sobre muita coisa.
É um facto de que: a revista existe e é credível
É um facto de que: a Farmacêutica é verdadeira, credível e real.
É um facto de que: há muitos smartphones no mercado.
É mentira que a revista tenha publicado o estudo e que a farmacêutica tenha feito este estudo.
Porém, minha amiga, a montagem que eu possa ter feito, mostrando um artigo qualquer que não se consegue ler, na revista em causa, pode levar o leitor a acreditar que o estudo existe e que até o viu, ele próprio publicado na citada revista, quando, na realidade, foi apenas induzido a pensar que viu algo que realmente não existe.
Assim, Berta, quando esta pessoa na sua boa fé, conta o que viu a um amigo, este, que já nem viu a falsa publicação, apenas transmite a outros amigos o que o seu amigo, uma pessoa credível e de boa fé, lhe transmitiu. E assim se propaga um disparate. Baseado em quê? No facto de já todos termos escutado rumores de que falar ao telemóvel faz mal e não nos parecer a notícia assim tão absurda. Todavia, agora circula por aí, que um estudo de uma grande farmacêutica provou x e y, o que é absolutamente mentira.
Ora, dirão os que já acreditam nesta “Fake News”:
- A que propósito é que alguém inventaria um estudo destes? Claro que é verdade. (No entanto, amiguinha, só o dizem porque desconhecem que há um grande movimento anti tecnológico no mundo suportado por gente com muito poder e dinheiro).
E é assim que puras mentiras passam a verdades, caríssima. Até existem notícias falsas que nem se preocupam em apresentar uma verdade, algumas apenas estão interessadas em semear a dúvida na cabeça dos outros.
Todavia, minha querida, estas coisas sempre foram usadas no mundo, pelo menos desde que o homem fala. O perigo hoje em dia é a velocidade com que as notícias se espalham, se sucedem e sem verificação de factos ou fontes (porque ninguém tem tempo), se tornam realidades alternativas inteiramente falsas. Para piorar as coisas a internet é um excelente meio de ajudar a aumentar, ampliar e alastrar a chama, o fogo, o incêndio, tornando-o num verdadeiro inferno.
Analisemos agora, à luz desta explicação, Berta, os dois primeiros parágrafos desta carta:
É verdade que António Costa é Primeiro-Ministro.
É verdade que Marcelo Rebelo de Sousa é o nosso Presidente da República,
É verdade que existem gays em Portugal e que por lei não é permitido serem-lhes negados quaisquer direitos, como a outro qualquer cidadão, porque eles são cidadãos de plenos direitos e que a homofobia é condenada em Portugal.
É verdade que Costa e Marcelo são amigos há cerca de meio século.
É verdade que o Correio da Manhã lança muitas manchetes bombásticas e/ou escandalosas.
É verdade que Costa e Marcelo são ambos figuras institucionais.
É verdade que Costa representa neste momento o poder executivo.
É verdade que Marcelo é o garante da supervisão nacional e o zelador do cumprimento constitucional.
É também verdade que ambos defendem o seu direito à sua própria vida privada.
Só é mentira que sejam gays ou que estejam envolvidos em qualquer relação desse tipo, não porque isso é errado ou certo, apenas porque nenhum deles é gay, quanto mais ou dois.
Contudo, minha amiga de tantos anos, não fosse a mentira introduzida tão disparatada e sem qualquer ponta de fundamento, se fosse, por exemplo, que Costa e Marcelo se tinham pegado a sério um com o outro e que Marcelo ia destituir a Assembleia da República, se calhar, algumas pessoas acreditariam que se podia tratar de um facto ou, no mínimo, ficarem na dúvida.
Depois, bastaria essa gente falar na sua dúvida ou certeza a terceiros para o rumor se instalar e começar a ganhar foros de verdade. É tão simples quanto isso. É simples, é medonho e já é usado em todo o mundo com uma leviandade assustadora. Basta lembrar que Putin usou a existência de grupos neonazis na Ucrânia para falar em criar "uma operação militar especial para «desnazificar» o país vizinho”. Podia ter dito a verdade, podia falar que ia invadir a Ucrânia e entrar em guerra aberta com os ucranianos, mas a mentira favorece-o mais do que a verdade e o facto é que há imensa gente boa, mal informada, a acreditar na mentira. E isso é tudo o que importa. Deixo um Beijo de despedida,
A última noite de Lua Cheia de novembro foi inesquecível. Íris, achou surreal dar consigo, meio sem saber como, depois do jantar na Portugália, a fazer amor dentro de uma 4L, estacionada no passeio, mesmo em cima e em frente à porta da Casa-Museu Amália Rodrigues. A festa foi interrompida, felizmente, entre quecas, por dois polícias de giro, que não acharam nada giro presenciar o balançar da viatura, qual traineira fadada a outros fados, em frente da casa da lenda do fado.
A multa escapou apenas porque um dos polícias reconheceu Íris. Mas ela não deixou de ter de ouvir o velho polícia a recomendar mais decoro a uma doutora tão conhecida em Lisboa. Com um pedido de desculpas e depois de inverterem a marcha e voltarem ao parque de estacionamento, ela foi tomada novamente pelos braços de Dia e colhida com as costas apoiadas na 4L. Ora, quem conhece a viatura sabe perfeitamente quão desconfortável é a frente de uma 4L, todavia, o frenesim era tal que Íris nem deu pelo incómodo.
A jovem acordou em cima da mesa da sala de jantar, seminua, com o cheiro de ovos mexidos, bacon, sumo de laranja natural e torradas. Dia estava a terminar de preparar o pequeno-almoço e de o colocar na mesa na parte que ela não ocupava. Poisou as torradas, contornou-a, deu-lhe uma lambidela entre pernas e perante o ar admirado dela indagou:
― O que foi? Não posso lamber? É só para me abrir o apetite para o pequeno-almoço.
― Nesse caso também quero experimentar. Anda cá, vá… passa-me aí o salame… ― ordenou a jovem esticando e encolhendo o dedo indicador da mão esquerda. ― Hum… tens razão, abre o apetite.
― Sim, sim. É uma invenção muito antiga, já os romanos falavam do uso comum do pau multiusos. A menina deve saber disso nos seus estudos da arte e literatura romana, não? ― indagou Diamantino.
― Não me recordo de alguma vez ter lido a coisa descrita dessa forma “pau multiusos”, mas quem sou eu para duvidar de um brilhante arqueólogo na plenitude do seu conhecimento do terreno. ― Íris ironizava agora. ― Todavia, as práticas romanas são inspiradoras.
― Verdade! Com os romanos era pau para toda a obra. ― Dia, ria.
Depois de Diamantino ter saído para as escavações, já com um revigorante banho tomado e pronto para o regresso ao trabalho, Íris, ficou a imaginar que desta vez, a entrada nos Ciclos da Sombra, não iam impedir que a sua líbido continuasse a funcionar. Ela adorava aquele sujeito. Estaria a apaixonar-se? Pensou um pouco no assunto. Por fim, sem chegar bem a uma conclusão, achou que logo se veria. De momento estava feliz, consolada e desejosa que ele voltasse no fim da tarde.
Foi ver o correio. Tinha uma carta da CUF com o relatório escrito que tinha solicitado relativo a uma bateria de exames e análises que fizera no final da semana anterior. Achara estranho, talvez pela primeira vez, o facto de não ter tido medo algum, quando soubera que Vítor, o seu ex-Superintendente, escapara às malhas da justiça.
Precisava de saber se ela, tal como Vítor sofria da doença de “Urbach-Wieth”. Era uma doença raríssima, apenas eram conhecidos umas centenas de pacientes no mundo com essa maleita. Seria estranho que ela sofresse do mesmo mal que o seu, agora, arqui-inimigo. Aliás, ela só ouvira falar nisso, precisamente na noite em que ambos se tinham envolvido um com o outro.
Na altura julgara que o homem estava a inventar para parecer um individuo raro e diferente. Porém, descobrira que a doença existia mesmo e comprovara que ele a tinha registada no seu ficheiro pessoal, que ela invadira na base de dados da PJ. Ora, a doença afetava a estrutura do cérebro e, mais concretamente atacava a amígdala, destruindo-a. Com a ruína desta zona do cérebro responsável pela sensação de medo, a pessoa não tem medo de coisa nenhuma. Tem, logicamente, conhecimento do conceito de medo, sabe, porque aprendeu o que é o medo e quais os sintomas, mas, efetivamente, nunca o sentiu.
“Era um pouco como se alguém fosse a esta nossa região do cérebro e literalmente a escavasse”, explicava o Professor Doutor António Damásio, num artigo já com algum tempo, que ela entretanto descobrira. Ora, António Damásio era um famoso médico neurologista, um neurocientista português, que trabalhava no estudo do cérebro e das emoções humanas, sendo também Professor de neurociência na Universidade do Sul da Califórnia.
O cientista, com mais de uma dúzia de prémios e honrarias atribuídas pelo mundo fora, era também autor de vários livros sobre o cérebro, que, porém, tinham o condão de cativar o mais profundo leigo na matéria. Fora precisamente por ter descoberto que parte do estudo sobre a doença de “Urbach-Wieth”, lhe era devida, que ela se interessara mais ainda sobre o assunto, sobre o qual, efetivamente, desconhecia quase tudo.
A jovem abriu o envelope A5. Era algo volumoso. Dentro vinham os resultados dos exames e das análises. Ela nem lhes ligou. Foi direita ao relatório e procurou pelo resultado. Perto do fim ali estava, preto no branco, o resultado final. Tinha-lhe sido diagnosticada a doença de “Urbach-Wieth”. Por isso ela nunca temia fosse que situação fosse. O seu problema não era de feitio, era físico.
Aquilo era algo preocupante e muito perigoso. Ia ter que ter muito mais atenção à sua vida do que lhe dispensara até ali. Uma pessoa que, por exemplo, não tem medo do fogo, pode mais facilmente deixar-se queimar inadvertidamente. Mas quem diz fogo, diz alturas, venenos, cobras, aranhas, desafios arriscados e por aí em diante, até aos confins das infinitas situações em que se possa colocar com perigo. Íris, iria ter de tomar muita atenção, cem vezes mais do que tivera até ali, sempre que estivesse numa situação de risco. Até agora tivera sorte, muita sorte. Porém, sendo aquela a sua realidade, não iria poder apenas contar com isso. Tinha que estar alerta, sempre alerta e agir com consciência e não precipitadamente.
Fora isso que ela sentira no Vítor. De alguma maneira o seu olfato apurado descobrira, sem no entanto a conseguir identificar, a falta de medo do Vítor e identificara-a consigo própria. Ela sabia que a maioria das reações humanas produziam odores diferentes. Fossem elas medo, ansiedade, volúpia, prazer, depressão, paixão e por aí fora. No entanto, o seu desconhecimento da doença não lhe permitira detetar o que ao certo a atraíra no Vítor. Era isso mesmo, a ausência de medo, emitia um odor diferente nele que ela identificara consigo mesma. Fora isso que a atraíra.
Satisfeita com a descoberta, a jovem guardou a carta nos seus documentos na sala secreta. Já sabia o que a atraíra em Vítor, já o podia combater.
Outro mal seu era a hipertimesia associada à sua imensa memória. Durante o resto do mês de novembro e até ao fim do ano, a rapariga terminou os seus estudos universitários. Antes das férias escolares de Natal apresentara para o seu novo doutoramento o projeto que criara para o Museu Nacional de Arte Antiga e que acabara, uns dias antes de vir aprovado de Bruxelas. Graças a isso poupara um ano de trabalho. Podia iniciar em janeiro de 2023 os seus ansiados doutoramentos em arqueologia e arte. Iria frequentar o PhD da Universidade de Edinburgh em Arqueologia e o Doutoramento em História da Arte, com especializações em História da Arte da Antiguidade e Museologia e Património Artístico da Universidade Nova de Lisboa.
Íris, como sempre, queria encurtar o tempo de estudo necessário, isso de passar quatro anos a preparar uma tese não era para ela. Por isso mesmo, pagou previamente todas as propinas inerentes à frequência de ambos os doutoramentos e depois conjuntamente com o seu currículo enviou uma proposta de apresentação das teses para o final de 2023. A base de trabalho estava relacionada com as escavações de Lisboa e devido ao interesse nacional e internacional da descoberta, bem como graças ao seu vasto portefólio, a sua proposta fora aceite em ambas as universidades.
Agora restava-lhe juntar os manuais e os livros, falar com os orientadores, arranjar uma estratégia de trabalhar as teses em campo e, na posse de tudo isso, preparar a apresentação das duas teses para o princípio de dezembro de 2023. Já sabia, de antemão, que teria de ir algumas vezes a Edinburgh, mas isso não tinha qualquer importância.
Na noite da passagem de ano, estando Íris e Dia ou Diamantino ainda juntos e a celebrar a entrada em 2023 com o grupo que liderava as escavações, o telemóvel da jovem tocou. O número era anónimo e ela esteve para nem sequer o atender, contudo, fruto de um pressentimento, resolveu permitir a ligação da chamada. Do outro lado alguém dizia:
― Feliz Ano Novo minha querida Íris. Sinceramente e do coração. Faço votos para que tenhas um ano muito feliz. Ainda sinto que fui incorreto no modo como te tratei. Sabes quem fala?
― Claro que sei, Vítor. Um bom ano para ti também. ― respondeu ela.
― Olha, não sei se tens visto a Felina, devido à tua atividade com a Polícia Judiciária, contudo, se estiveres em contacto com a gata gostaria que lhe desses um recado da minha parte, pode ser? ― indagava o homem com alguma sobranceria.
― Pode sim, Vítor. Todavia, se for para falares de vingança ou algo do género, não achas melhor ires tentando sobreviver longe da cadeia. A vida na penitenciária não me parece adequada ao teu estilo. Devias tentar esquecê-la. Afinal, se vires bem as coisas, ela deixou-te fugir. Não foi atrás de ti e podia ter ido… ― contrapôs Íris, tentando aplacar a raiva que sentia existir do outro lado.
― Ela não me deixou fugir, eu fugi sem que ninguém desse conta disso. Quanto a não vir atrás de mim… ― referiu, Vítor. ― Não veio porque sabia que jamais me conseguiria encontrar. Eu sou bem melhor que essa gata vadia. Mas isso agora nem interessa. O recado que eu te agradeço que lhe dês, se alguma vez entrares em contacto com ela é para que ela aproveite bem todos os dias de 2023 que conseguir, porque a Felina jamais verá o fim do ano. Vai ser este ano que ela morre sob o meu jugo.
― E tu queres que eu a previna de que a vens matar? Não achas melhor eu ficar calada e tu apareceres de surpresa? Parece-me mais inteligente… ― questionou Íris.
― És mesmo uma querida. Preocupada comigo. Logo tu que representas a única pessoa com quem não fui correto… ―avançava Vítor, aparentando algum remorso. ― Porém, não te preocupes eu quero mesmo que ela não durma descansada. Vai tremer todos os dias a olhar para todo o lado a pensar quando e de onde eu posso aparecer para o seu julgamento final.
― Fica tranquilo que se eu tiver oportunidade passarei a mensagem. Não concordo, mas respeito a tua vontade. Ao fim ao cabo, tu é que sabes de ti… ― como que advertiu a rapariga, preocupada com a sede de vingança de Vítor. ― Preferia que fosses fazendo a tua vida ou, melhor dizendo, refazendo a tua vida em paz.
― Eu terei paz com a morte dela, minha querida. Adeus! ― Vítor desligou a chamada.
FIM
Final do romance policial "A Felina - Noites de Lua Cheia" de Gil Saraiva
As restantes Noites de Lua Cheia daquele mês de novembro tornaram-se por isso mesmo eternas, sensuais, carnais, viciantes e viciadas, quase como se não houvesse amanhã. Se Diamantino tivesse uns bigodes retorcidos nas pontas e virados para cima, que efetivamente não tinha, estaria encontrado o domador de leões, tigres e panteras típico de um circo máximo.
Com efeito, não lhe faltava o chicote enrolado à cintura, nem o sorriso esmaltado a branco no rosto moreno. Era ele quem passara a dar a cara nas entrevistas com a comunicação social. As câmaras adoravam-no chegando a fazer inveja à Felina que, embora confiante, parecia não estar nada interessada em repartir o jovem com ninguém.
Os Ciclos da Luz, nomeadamente a Lua Cheia, só terminaram a quinze de novembro e aquelas noites e dias foram praticamente uma Lua de Mel entre aquele incansável casal. Num final de tarde, chegaram inclusivamente a fazerem amor sobre uma velha mesa de madeira empoeirada, algures nas instalações da biblioteca romana, perante a assistência incrédula de livros, papiros e estátuas estupefactas com quase dezoito séculos de história. Um busto sereno de Júlio César, parecia até concordar com aquela efervescência amorosa através de um sorriso esculpido delicadamente no mármore alvo e imaculado, quem sabe se de Carrara.
O número de Alfredo Neto, o dono da oficina onde a Felina confiava as suas viaturas, piscava no telemóvel de Íris. Ao atender a jovem ficou a saber que aquilo que pedira ao seu mecânico chefe estava pronto. Íris, relatou, detalhadamente onde queria a encomenda, não apenas o dia e a hora, mas também local e a ordenação em que a mesma deveria estar disposta. Até lhe enviou um esboço para não haver enganos.
No início da noite de terça-feira, dia quinze de novembro, a carrinha da polícia saiu da esquadra de Sintra. No seu interior iam quarenta milhões de euros aprendidos à Kalinka, mais uns bons milhões em ouro e joias. Uma outra carrinha levaria no dia seguinte, à mesma hora, a droga apreendida para os cofres da Polícia Judiciária. A carrinha escolhida para os valores era uma das viaturas blindadas do corpo de intervenção e levava três homens bem armados no seu interior. O condutor, um comissário e um chefe principal.
Íris, não tivera dificuldade em descobrir qual o itinerário da carrinha da polícia. Para evitarem o tráfego da IC19 eles vinham para Lisboa pela A16 e depois entravam na capital pelo IC37. Eram mais nove quilómetros, mas, àquela hora, vinham sempre a andar. Foi perto do nó de Agualva que tudo aconteceu. Na beira da estrada uma 4L estava deitada de lado, com fumo a sair da zona do motor.
A noite caíra já há um bom bocado e não era fácil entender o que acontecera, via-se o chão molhado em volta da viatura, o que levava a pensar que o depósito estava a verter gasolina para o pavimento. O banco do condutor parecia vazio, porém, um braço aparecia e desaparecia, a espaços, visível pelo vidro frontal. Alguém parecia estar muito mal dentro da 4L. O tempo para agir parecia escasso.
A carrinha da polícia parou. Rapidamente, os polícias correram para o acidente tentando chegar à 4L antes que o fumo do motor se transformasse em fogo, engolindo para sempre aquele braço que parecia perder força. A viatura aparentava ter sofrido um acidente aparatoso pois não havia chapa que não estivesse amolgada ou arrancada e perdida por ali, pelo asfalto. Não parecia haver um vidro intacto.
Subitamente os três polícias ouviram o som da sua carrinha a arrancar, deixaram de estar iluminados pela luz que dela vinha e que permitia ver o acidente. A viatura do corpo de intervenção desaparecia a toda a velocidade em direção a Agualva. A chave ficara na ignição e as portas tinham ficado abertas. Um erro tremendo. O agente que tinha vindo a conduzir deitava as mãos aos bolsos e confirmava que não guardara a chave.
O comissário resolvera tratar primeiro do ferido da 4L, mas foi surpreendido pelos acontecimentos. Dentro da viatura um braço de um manequim, preso a uma engenhoca, subia e descia lentamente. Não havia vivalma no carro acidentado. O chefe principal acabava de perceber, ao levar a mão ao solo molhado, que se tratava de água e não de gasolina. Daí a descobrirem que o fumo do motor provinha de uma lata larga com borracha queimada a derreter foi um saltinho. Os polícias tinham sido enganados e infantilmente roubados. Quando chegou o auxílio já a carrinha desaparecera há vinte minutos.
A carrinha do corpo de intervenção foi encontrada quase à entrada de Agualva. Os sacos do dinheiro estavam vazios e as três malas enormes de alumínio tinham os cadeados arrombados e estavam vazias. Bem, quase vazias. Dentro da última descansava uma moeda da Felina, assinando o roubo. Em meia hora tinham desaparecido as joias, o ouro e vários milhões de euros, como que por magia.
Na Rua da Fábrica, em Campo de Ourique, a Felina acabara de chegar à sua sala secreta, guardando no cofre o resto das joias que trouxera escada acima até ao seu apartamento. Tinha subido e descido aquelas escadas treze vezes, mas finalmente tinha o ouro todo e as peças de ourivesaria guardadas no cofre. No seu Dácia ficara o dinheiro. Esse seria guardado no primeiro andar, na sua sala especial, no número quatrocentos e quarenta e quatro da Rua de São Bento. Depois de tudo tratado ali, foi para lá que seguiu.
Íris ligou ao seu mecânico chefe. Agradeceu a 4L e a montagem da armadilha. Este, vaidosamente esclareceu que usara uma viatura acidentada retirada de um ferro velho em Pero Pinheiro, juntamente com uns salvados de que precisava para a sua oficina e que na compra não fora registada a 4L individualmente, apenas o peso de um lote de salvados diversos. A matrícula que colocara na viatura tinha outra origem e também não seria possível descobrirem de onde viera. O mais difícil fora arranjar o braço mecânico do manequim e montar o engenho no banco do condutor.
Alfredo Neto, estava muito feliz por ter sido útil. Para a próxima vez que a Felina precisasse dele não tinha que lhe pagar o trabalho tão generosamente, nem de forma antecipada, teimava novamente. Ela só tinha que pedir. Depois, insistentemente, voltava a repetia que nem precisava de ser pago. Sem ela ele jamais se teria conseguido voltar a erguer, a ter um negócio e a viver com alguma prosperidade como agora vivia. Ela sabia disso.
Sim, ela sabia. Todavia, quem trabalha tem de ser pago e, ainda por cima, aquele fora um trabalho de risco. Ele refilava mesmo assim. O que ela lhe pagara dava para comprar um carro novo de gama média e ele só usara uma viatura a desfazer-se. Além disso, dava-lhe imenso gozo realizar estes trabalhos para ela. Sempre que os fazia sentia-se trinta anos mais novo.
O assalto tinha sido muito bom. Quase cem milhões, sacados de forma simples, sem muito risco e com imenso gozo. A cereja no topo do bolo era a fortuna vir da Kalinka. As joias, ela ainda ia ter que as desmontar e vender, o ouro teria se ser entregue aos seus fornecedores para transformar em barras de cem gramas, mas o dinheiro continuaria a ajudar o seu serviço de acudir os mais necessitados. Tinha sido um trabalho limpinho.
Tocaram à sua porta, estava ela a fechar a sua sala secreta. Foi ver quem era. O sorriso desalinhado de Diamantino apareceu na pequena câmara da campainha. Ela sorriu e indagou pelo intercomunicador:
― Sim… o que deseja? ― Íris, parecia formal. ― Se me vem vender bíblias ou passar a Palavra do Senhor, informo que já tenho o livro e quanto à palavra de uma Testemunha de Jeová, ainda há três dias tive cá duas outras testemunhas que nunca mais se calavam. Estou cheia de palavras. Entendeu?
― Não, não! Eu venho é mesmo jantar e depois passar-lhe a pila deste senhor. ― Diamantino, rindo, respondia com a boa disposição de sempre. ― Ou a senhorita já teve pila que chegue?
― Jamais me verá queixar de pila a mais. Por quem o senhor me toma? Mas não suba, eu desço. Hoje apetece-me jantar fora. ― Íris, divertida, respondia, por entre um riso contagioso.
O arqueólogo esperava por ela no passeio junto à porta do prédio. Hoje iam no carro dele, podia ser? Indagou contente, ainda com a cabeça cheia de pó, com ar de quem acabara de chegar das ruínas romanas onde ambos trabalhavam. Atravessaram a rua e chegaram ao parque de estacionamento. Ele aproximou-se de uma Renault 4L vermelha, que quase parecia a do acidente forjado do início da noite. Íris desatou a rir. Aquilo era um déjà vu, ela nem queria acreditar.
O poiso preferido de Dia, como ela chamava a Diamantino, era a Cervejaria Portugália na Avenida Almirante Reis. O ar clássico do restaurante abria-lhe o apetite, explicava ele, mais uma vez, ao entrarem. O homem era desconcertante. Nunca conhecera ninguém que estivesse sempre feliz até o conhecer. Contudo, era verdade, nada desanimava aquele Indiana Jones.
(continua no último fascículo do livro) Gil Saraiva
Também devia à mãe ter-se formado em direito, ter entrado para a Polícia Judiciária, e até ter aprendido a usar os seus conhecimentos legais para extorquir dinheiro aos agiotas e aldrabões deste mundo, sem nunca ter sido acusado uma única vez. A senhora sua mãe era uma artista perfeita sabendo sempre que papel representar para tirar vantagem de uma qualquer situação. Só a matara porque o raio da velha, a dada altura, entendeu que ele não podia ter outras mulheres e tinha que ser só dela.
Mas fora mais uma morte santa. Ele sabia que o pai, quando era vivo, tinha feito um seguro chorudo da casa deles, uma casa que já estava na família há mais de duzentos anos. Era um velho palacete da baixa de Lisboa, que ele sempre conhecera a precisar de obras. Um dia, há quinze anos atrás, a mãe acordara, fora fazer o pequeno almoço para ela e para ele (sem saber que ele já saíra de casa há mais de uma hora) e catrapus, uma fuga de gás levara-a para os anjinhos.
As verbas do seguro, somado ao dinheiro da venda do terreno do palacete destruído, para um hotel, tinham feito dele, um jovem com uma elevada conta bancária, lindo, atlético e bem de vida. Mesmo que para isso tivesse que ter chorado imensas lágrimas de crocodilo para afastar de si quaisquer suspeitas. Exatamente como fizera quando se vira livre do pai. Ele tinha um jeito tremendo para se livrar de trabalhos e a Polícia Judiciária ensinara-o a tirar partido do sistema.
Ele já possuía uma identidade falsa há mais de cinco anos, sempre pintara o cabelo de louro, desde muito novo, porque a sua mãe o achava parecido com um ator qualquer, lá do tempo dela, que também era louro. Já se lembrava, Robert Redford. Agora bastava-lhe pintar uma vez o cabelo de castanho escuro, cortá-lo muito curto, entregar a sua casa ao senhorio, e retirar o dinheiro da sua conta e colocá-lo na conta da nova identidade. Um advogado, com uma barba de três dias e ar de playboy.
Com o desastre da quinta de Sintra ele passara a ser Daniel Trindade Villa-Lobos, a nova identidade que aprendera a forjar na PJ, advogado, com ascendência espanhola, nascido em Lisboa há quarenta anos atrás. Recentemente regressado de uma estadia de seis anos no Brasil.
Mesmo tendo perdido a oportunidade de crescer na Kalinka, Vítor, achava que tivera sorte. Escondera-se durante o ataque à quinta e só saíra do seu esconderijo, com a sua farda da PSP, quando esta força policial começara a revistar o solar. Com cuidado, para evitar conhecidos, saíra pelo seu próprio pé do casarão. Ajudara a carregar a carrinha que levara o dinheiro, as joias e o ouro para Sintra e seguira com a carrinha até lá.
Uma vez em Sintra tirara a farda, deitara-a num contentor do lixo, satisfeito por já não ter que andar de chapéu e cabeça para baixa para não ser identificado em qualquer câmara, e seguira de táxi para Lisboa, à civil, como um passageiro qualquer. Fora uma fuga limpinha e sem espinhas. Agora restava-lhe passar uns meses a cultivar a sua identidade de advogado playboy, sem levantar muitas ondas, para depois reaparecer em algum lado, novamente brilhante e triunfante.
A Felina ligou para o seu mecânico de eleição, na manhã de dia doze já perto do meio-dia. Precisava de um favorzinho. Não era uma tarefa fácil, mas também não era impossível. Descreveu o que planeara com todo o detalhe e depois enviou-lhe um esquema do que queria, desenhado ao pormenor. Seria possível fazer aquilo? Ele, respondera que sim, desde que não apanhasse polícia à hora em que teria de agir. Não apanharia, isso ela podia garantir. Combinou tudo, ficou de lhe deixar um envelope com o pagamento na caixa do correio deste e despediu-se do amigo.
Na comunicação social o fim-de-semana e os três primeiros dias da semana seguinte foram dedicados a dois temas, o primeiro fora anunciado pela primeira vez na quinta-feira, dia dez, um dia antes do assalto à quinta de Sintra, que foi o segundo tema desses dias. As obras, do metro na linha vermelha e na verde, do metropolitano de Lisboa tinham encontrado algo.
Com efeito, a descoberta gerara já um pedido a Bruxelas para suspender, por uns meses, a continuação destas linhas até o achado arqueológico ser devidamente explorado. Tratava-se de uma grande extensão de ruínas romanas, que gerara um enorme alvoroço entre arqueólogos, historiadores e especialistas em antiguidade clássica. Uma das grandes descobertas era uma enorme biblioteca romana, praticamente intacta.
O achado era de tal ordem relevante que estava a ser considerado de importância histórica mundial. A biblioteca continha milhares de documentos e outras obras em perfeito estado de conservação. O Museu Nacional de Arte Antiga, conseguira-se colocar de imediato como um dos organismos principais responsáveis pelas investigações e a Doutora Íris Vasconcelos fora convidada, ainda no sábado, dia doze, a ser a investigadora-chefe nomeada pelo museu, em articulação com a Direção-Geral do Património Cultural, a entidade encarregada de gerir o projeto.
As Universidades de Lisboa, Porto, Coimbra e Algarve, através das suas Faculdades de Letras e dos Cursos de Arqueologia, em colaboração direta com o Museu Nacional de Arqueologia, atualmente encerrado para uma reconversão ao abrigo do PRR, o Plano de Recuperação e Resiliência Europeu, formavam os restantes parceiros principais.
Estes eram, assim, encarregados da investigação arqueológica, tendo sido selecionados dois arqueólogos de cada instituição para integrarem a equipa que fora constituída para liderar o projeto, sob a coordenação e gestão da Direção-Geral do Património Cultural, conforme indicação do Governo.
As excelentes relações, ultimamente reforçadas, entre o Governo e a Doutora Íris Vasconcelos valeram-lhe a escolha como a investigadora líder da equipa escolhida pela DGPC, mesmo não sendo uma arqueóloga e sim uma investigadora de literatura, história e arte antiga, principalmente a cultura greco-romana da antiguidade. A SIC conseguira um exclusivo a DGPC e com o Museu Nacional de Arte Antiga para documentar as investigações e garantira a assessoria da Doutora Íris Vasconcelos.
Paralelamente a TVI, por seu turno, prometia já uma nova série de treze episódios, sobre o assalto, com a assessoria de Íris para a nova série. Sim, porque ter o exclusivo nacional das imagens da Felina era como ter um maná caído do céu que convinha explorar. Desta vez teria alguma concorrência do canal americano de cabo, o “Crime”, mas isso não a importunava em termos de audiências nacionais. Melhor ainda, Cristiana Bandeira, conseguira do “Crime” os direitos televisivos para transmissão dos documentários destes para o canal generalista.
Por um lado, a descoberta arqueológica em Lisboa ia atrasar as linhas verde e vermelha da capital em dois anos, para descontentamento do Metropolitano que agora passava a ter tempo para fazer, por exemplo, o estudo alternativo à estação do metro no Jardim da Parada, uma vez que a falta de tempo para a sua realização já não se punha, cumprindo o determinado pela Assembleia da República, que tinha discutido a petição do movimento “Salvar o Jardim da Parada” e votado favoravelmente a um estudo de pormenor da alternativa na Rua Saraiva de Carvalho, conjuntamente com o Largo da Igreja.
Por outro lado, o Governo aprovara a criação do Museu Romano, sob a alçada do Museu Nacional de Arte Antiga de forma a expor o vasto espólio encontrado nas escavações. Mas a pérola daquele achado era, sem margem para dúvida, a Biblioteca Romana. Todos os documentos encontrados estavam a ser fotografados ou digitalizados, conforme a técnica menos corrosiva em cada caso, passando o museu depois, na secção criada para o efeito, a lançar livros na versão original e em português com uma equipa de vinte e cinco especialistas sob o comando de Íris Vasconcelos.
Diamantino Rodrigues Infante, embora sendo um dos arqueólogos mais novos do grupo selecionado para liderar as escavações, fora eleito, entre os oito especialistas, o líder desse grupo, passando a servir de interlocutor com Íris, com o Museu Nacional de Arte Antiga e com a Direção Geral do Património Cultural. O jovem, na casa dos trinta e cinco anos, viera de Coimbra para a capital com um entusiasmo incomparável. Lembrava muito um Indiana Jones à portuguesa, mas ele fazia por isso, pois era um admirador confesso do personagem de Steven Spielberg.
Na verdade, as calças de ganga gastas, a camisa preta, o colete de cabedal castanho e o chapéu à cowboy, a tapar um cabelo castanho, revolto e com raios se Sol aqui e ali, compunham na perfeição a personagem. Mas o olhar vivo, inteligente e irreverente é que tornavam todo o papel verosímil.
Foi ele que cativou e encantou a Felina e não o inverso, desde a sua chegada logo na primeira noite. Foi quase mágica a forma como ambos se envolveram, ele atraído pelo lado selvagem da gata que achava transparente, ela por adorar o puro charme daquele homem feito à medida para si.
Com a Lua Cheia a começar a oito de novembro, Íris já perdera quatro dias das suas noites especiais do segundo Ciclo da Luz. Restava-lhe a noite de dia onze e os dias doze, treze, catorze e quinze. Mesmo assim, não se podia queixar muito. O cerco à quinta de Sintra correra melhor até do que ela esperara. Renderam-se, antes do final do dia, os quinhentos e trinta e sete membros da Kalinka.
Todavia, não foi uma tarefa fácil. Foram efetuadas onze perseguições de helicóptero e mais de cem fugas travadas pelos aranhites que se mostraram essenciais para virar o jogo a favor das polícias. Mesmo assim ainda foram abatidos os seis Cedros principais, que não se renderam e saíram pelo portão numa viatura, com metralhadoras automáticas a disparar para todo o lado.
Também morreram, fruto da troca de tiros, outros vinte e sete Cedros e quatro Zimbros. Numa iniciativa de última hora o Governo vendeu ao canal americano “Crime” os direitos de filmagem dos preparativos, do confronto e o contrato só terminará com a extradição da restante máfia e respetivas famílias. Será produzida uma série de vinte e quatro episódios. Foi aprendido um verdadeiro arsenal de armas e munições, algumas toneladas de droga, mais de trinta, sendo vinte e quatro de cocaína e heroína e mais de seis de drogas leves e anfetaminas.
Em consequência da operação foram retiradas da atividade cerca de duzentas e sessenta e três prostitutas e desativadas dezenas de casas de prostituição clandestina, bem como se desmantelaram duas redes internacionais de tráfico, uma de armas e outra de pessoas. Da operação resultou ainda a apreensão de mais de quarenta milhões de euros em notas e cerca de sete milhões em ouro e joias. Na noite de onze para doze as armas e os valores ficaram a cargo da polícia de Sintra.
Do lado das forças que efetuaram o cerco, foi ferido numa perna, sem gravidade, o Diretor Adjunto Carlos Farelo, sete oficiais e onze elementos do exército. Dos oficiais dois eram dos paraquedistas, três dos fuzileiros, um dos comandos e outro dos rangers. No entanto, as mazelas e ferimentos não apresentavam perigo, sendo apenas coisas relativamente ligeiras. Nos contingentes da PSP e da GNR, que se encontravam numa segunda e terceira linha de intervenção apenas existiu um tornozelo torcido, durante uma perseguição.
Contudo, não foi possível encontrar em lado nenhum o Superintendente da PSP, Vítor Fernandes de Melo. O solar foi virado de alto a baixo e toda a quinta batida palmo a palmo, mas sem grandes resultados. Os cães deram com rastos dele em diferentes locais, demasiados até, e foi impossível determinar como fugira.
O homem era agora o sujeito mais procurado de Portugal e foram emitidos mandatos internacionais através da Interpol e da Europol. A Judiciária estava convencida que a sua detenção seria, provavelmente, uma questão de dias. Ninguém, sem experiência, desaparece para sempre sem deixar rasto.
O cerco começara à uma da tarde e só fora dado por terminado perto das duas da manhã. Nas primeiras declarações à imprensa o Primeiro-Ministro confessou que todos os operacionais agiram com uma eficácia e profissionalismo exemplares, mas que, foi graças às imagens, que foram sendo transmitidas por uma série de câmaras instaladas, antecipadamente, dentro do solar e em toda a quinta, pela Felina, que as baixas das forças da ordem tinham sido tão reduzidas.
As imagens transmitidas pela gata, quer as primeiras do SD Card, que dera origem à operação, quer as do direto, seriam entregues ao canal “Crime” que pagaria os direitos a uma lista de pessoas necessitadas cujos nomes já se encontravam na posse do Governo, que seria a entidade que zelaria pelo pagamento desses direitos e a entrega dos respetivos valores aos devidos destinatários constantes no rol apresentado pela Felina.
O Estado esclareceu que, nas declarações que possuíam da pantera negra, esta se lembrou de instalar as câmaras quando descobriu que a quinta de Sintra, onde estivera o bando de Jô Muttley anteriormente, fora vendida a uma empresa estrangeira proveniente do Leste da Europa. Também conseguira ligar o comprador, como se veio a provar, ao Grupo Wagner, que usa a Kalinka, espalhada em toda a o velho continente, como o braço mafioso do dito grupo para se infiltrar no espaço europeu.
Ficara também provada a mais valia dos aramites na operação, pelo que o Governo considerava que a sua utilização massiva, na Ucrânia, poderia vir a ajudar a virar a página da guerra. Ao fim, ao cabo, era como transformar um batalhão de infantaria num de cavalaria ligeira sem custos elevados.
Os americanos do Canal “Crime”, puderam filmar ao vivo, as atuações em campo dos aramites, o que se tornava muito útil para provar a eficácia desta hibrida viatura ligeira de combate, fácil de conduzir, com uma enorme versatilidade de armas de pequeno e quase médio alcance, cujo conhecimento para as utilizar era tão simples como conduzir um carro ligeiro. A distribuição do peso estava tão bem organizada por toda a viatura que esta, mesmo em caso de capotamento, acabava sempre por ficar com as rodas assentes no chão, tipo sempre-em-pé.
Antonino Mosca também agradecera, através de uma conferência de imprensa, esta já no dia doze, o elevado contributo representado pela consultora da Polícia Judiciária, a Doutora Íris Vasconcelos que aceitara o pedido do Diretor Nacional da PJ, Luís Navas, para fazer o papel de intermediária nas negociações entre a gata mais famosa de Portugal e a PJ, com risco da sua própria vida e sem nunca sequer uma hesitação que fosse. Revelava ainda que era do seu conhecimento que depois da importância da Doutora nas duas últimas grandes ações anticrime esta seria condecorada.
A condecoração com o Grau de atribuição do Grande-Colar da Ordem de Cristo seria entregue numa sessão solene presidida pelo excelentíssimo Senhor Presidente da República. Felisbelo Rabelo de Lousa. No final da conferência de impressa, Antonino Mosca, revelou ainda que se a Kalinka não tem sido travada no dia anterior, tinham provas que depois do dia catorze já seria tudo muito mais difícil, pois nessa altura ela expandiria o seu raio de ação para a região de Coimbra e para o Algarve e de seguida, antes do final de novembro, para o restante país e ilhas.
Carlos Farelo, que levara o tiro na perna, quando fazendo uso da sua pistola automática de estimação, uma Taurus PT 58 HC PLUS, se entrepusera, logo à saída do portão da quinta, em frente da carrinha que transportava os líderes da Kalinka, armados de metralhadoras automáticas, e conseguira eliminar o condutor com dois tiros certeiros, também ia a ser agraciado com o Grau de Comendador da Ordem de Cristo, na mesma cerimónia em que Íris Vasconcelos seria agraciada.
Todos os discursos, da PSP, da GNR, dos chefes dos três ramos das Forças Armadas, do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, do SIED, do SIS, do SEF e de Luís Navas, enquanto Diretor Nacional da Polícia Judiciária, para além das intervenções dos Ministros da Defesa e da Administração Interna, secundavam, validando as escolhas e as palavras proferidas pelo Primeiro Ministro, Antonino Mosca.
Um artigo do New York Times, dessa semana, realçava como é que um país antigo na sua história, mas de dimensão reduzida se comparado às grandes potências, conseguia ser tão eficaz e inventivo numa guerra do século XXI.
Vítor Fernandes de Melo estava furioso. Passara de Coordenador Principal da Polícia Judiciária para Superintendente da Polícia de Segurança Pública e número dois da filial portuguesa no maior grupo mafioso da Europa e, mais uma vez, sem ele se dar conta, o sucesso fora-lhe arrancado das mãos por uma gata vadia. Ao contrário de Íris, de quem ele tirara partido de forma pouco católica, e que, por isso mesmo, achava justo que esta lhe fizesse alguma frente, mesmo que fosse mais correto ser a fulana a agradecer-lhe.
Para além disso, não era para se armar aos cucos, mas Íris podia bem agradecer aos deuses ele tê-la deixado provar uma iguaria como ele. Sabia que se aproveitara da fraqueza dela no momento e que se fizera apaixonado, mas caramba, mesmo não tendo sido muito honesto dera-lhe o direito raro de disfrutar dele. Todavia, tinha que reconhecer que Íris fora uma das melhores coisinhas que já provara, se não a melhor, e sobre isso não havia como mentir, nem tal seria justo.
Por outro lado, e bem ao contrário, a Felina sempre fizera dele gato-sapato. Mas a expressão correta deveria ser que ela fora para com ele como uma "gata-à-sapatada". Agora tinha que se esconder para não ser apanhado pela bófia. Não era certo. Tudo porque uma gaja armada em boa o tomara de ponta. Mas como lhe dizia o pai, quando, por vezes, do nada, lhe dava uma tareia, a vingança era um prato que se servia frio.
Ele vingara-se de o pai fazer dele um saco de pancada, fosse por causa do homem beber demais e depois decidir bater-lhe até ficar sóbrio, fosse porque se tinha chateado no trabalho, ou fosse, como tantas vezes acontecia, só porque lhe apetecia. A vingança fora o primeiro grande roubo da sua vida. Ele roubara-lhe a mulher. Conseguira convencer a velha a ensinar-lhe as artes do sexo e, entre os doze anos e os vinte e quatro anos, a sua mãe fora a sua melhor amante.
Fora ela que o ensinara a dar ás mulheres o que elas queriam e a fazê-las felizes. A ela devia o facto de ser o amante e o galã que hoje era. Não estava nada arrependido de, numas férias em família na Serra da Estrela, ter atirado o pai por uma ribanceira abaixo. Afinal, alguém que merecia morrer torturado acabara por ter uma morte santa.
Falando para todos os presentes, Luís Navas, com um ar sério, informou que acabara de falar ao telemóvel com o Primeiro-Ministro. Este ficara de ter uma palavra com o Senhor Presidente da República e logo de seguida com o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e com a Ministra da Defesa. Tudo contactos breves para já, apenas de maneira a informar a PJ que tipos de apoios teriam na operação.
Assim que ele ligasse, Navas, falaria do cerco proposto pela Felina e dos meios envolvidos. A ideia dos aramites serem armados com metralhadoras de grande calibre e bazucas também lhe parecera excelente. A pantera pensava em tudo, teria ela andado no exército?
Nas contas da Felina impressionava o número de bandidos mafiosos que se deviam encontrar nas instalações. Ela falava em mais de quinhentos e reforçava que o cerco, para ser eficaz devia contar com pelo menos três turnos de dois mil e quinhentos homens e que, uma coisa assim, desta dimensão, só seria possível com a ajuda das Forças Armadas.
Íris, reparou que um dos adjuntos tirava e punha no casaco, nervosamente, um charuto. Abriu um fundo falso de uma mesinha de apoio, retirou de lá um grande cinzeiro e fazendo sinal ao homem, depois de abrir as duas portas de acesso à varanda poisou o cinzeiro numa mesa redonda tipo café, mesmo ao lado de uma cadeira de esplanada e ofereceu-lhe o lugar. O homem batia no coração agradecendo a deferência. Ainda bem que ela reparara nele. Cinco minutos depois, já eram dois sentados no exterior de charuto na boca. Ambos pareciam aliviados e agradecidos.
Carlos Farelo e Luís Navas, enquanto aguardavam o telefonema do Governo, analisavam agora o plano da Felina, passado em grande para a tela montada na sala. Pelos comentários que ouvia, Íris, sempre atenta, parecia contente com as reações. Cerca de uma hora depois de Navas ter feito a chamada foi a vez do seu telemóvel tocar. Era o Primeiro-Ministro. Uma coisa daquela gravidade tivera total luz verde de todos os intervenientes. Já havia algum plano? Luís Navas disse-lhe que a Felina, que ao que parecia já estudara bem o local e calculara os números de mafiosos, enviara uma estratégia que ele achava genial e que evitaria muito mortos. Acabara de enviar uma cópia.
O Primeiro-Ministro acusou a receção e pediu-lhe para ele e Carlos Farelo se juntarem a uma reunião que convocara de urgência para as duas da tarde. Nela estariam todos os chefes das forças que poderiam ser convocados, mais os ministros que tinham a ver com a situação e contavam ainda com a presença do Senhor Presidente da República. Luís Navas, um pouco receoso perguntou se haveria possibilidade de levar a sua assessora, a Doutora Íris Vasconcelos, que fora quem tivera, a pedido da PJ, o encontro com a Felina e quem estava, de momento, mais habilitada para expor toda a situação o mais claramente possível.
O aval do Primeiro-Ministro foi total. Era evidente que sim. Até tinha pena que a Felina não fosse também. Todavia, a situação era o que era e tinham de contar era com quem podia estar presente. Quando a chamada terminou e depois de avisar Carlos Farelo e Íris da reunião, Luís Navas preparava-se para sair, quando Íris, que ainda não tinha dito o que achava de ser convocada, se tentou escapar a ter de estar presente.
― Meu caro Diretor, eu não sou precisa nessa reunião com os políticos, os generais e outros que tais. Veja bem, os senhores já sabem tanto quanto eu e, portanto, eu sou tão necessária como uma esfregona dentro de uma piscina. ― Íris, atrapalhada, tentava escapar-se de andar metida com a alta roda do poder. Ela preferia a sombra aos holofotes, ainda mais holofotes direcionados para a sua pessoa. E continuava: ― O Senhor Diretor e aqui o seu Adjunto têm em conjunto mais conhecimento do que eu sobre tudo isto. Afinal que raio iria eu lá fazer? Consegue-me dizer?
― Pois, pois, mas não se escapa. Primeiro, adorei a forma como apresentou o SD Card. Agora só terá de fazer o mesmo acrescentando o plano da Felina. Segundo, a Doutora Íris Vasconcelos é a única pessoa que estará na reunião com um pensamento fora da caixa e, igualmente, a única que ouviu a gata de viva voz. Depois, é mais fácil os Generais, os Ministros e os que tais escutarem-na a si, do que a um de nós que estamos sob a alçada deles. Consigo falta-lhes à vontade, na mesma proporção em que existe respeito pelo papel imensamente relevante que tem tido nesta história toda. ― disse Navas.
― É isso mesmo. Além de que eu acho que… ― Carlos Farelo acrescentava, aproveitando a pausa de Luís Navas. ― Não tendo eu perfil para piscina, nem nenhum dos que estarão presentes, uma esfregona pode mesmo vir a fazer muita falta.
― Além disso… ― reforçava Navas. ― Não vai para longe. O Palacete de São Bento é aqui perto. Até pode ir a pé. Vá lá Doutora Vasconcelos, não seja assim, a senhora nem é uma pessoa tímida, nem nada. Temos feito um brilharete à sua custa e da Felina, não custa nada vir receber um pouco dos louros. Com sorte, ainda vira Cavaleira da Ordem dos Templários por proposta do Senhor Presidente da Républica. Até pode ser que ele queira uma “selfie” consigo.
― Cavaleira? Se não for cavalgadura já me sinto feliz. Quanto à “selfie” se não fosse a grande admiração que eu tenho pelo Senhor Diretor eu dizia-lhe onde podia meter essa “selfie”, juro que dizia. Está bem, seja. Lá estarei, se não há remédio, remediado está... ― confirmava, ainda relutante, Íris.
A reunião começou tensa. Era a primeira vez desde o vinte e cinco de abril que o Estado se via ameaçado por forças externas e que nada tinham a ver com o normal e democrático debate político. Também era a primeira vez que um Governo estava sob ameaça credível, bem como, em paralelo, toda a estabilidade do sistema de segurança nacional. Sim, porque, assassinando as cúpulas, iria levar algum tempo a repor a harmonia dos serviços e a sua eficácia. Quando Íris acabou a exposição do CD Card da Felina, com a apresentação dos esquemas de ataque à quinta de Sintra, tornou-se rapidamente consensual que o cerco era a melhor maneira de evitar mortos entre as forças do Estado e de capturar toda a estrutura da Kalinka.
A Direção Nacional da PSP estava em choque com a participação do seu Superintendente nesta trama macabra. Ainda mais incomodados ficaram quando se tornou óbvio que iriam ter de conviver com o sujeito, como se nada fosse, até ao dia da reunião da Kalinka. A reunião terminou com a aprovação unanime do plano da Felina. Como os aramites ainda não tinham sido enviados para a Ucrânia, o Governo disponibilizava trezentos e cinquenta para a operação e o Exército incluía três mil soldados.
Da parte da PSP e da GNR tratando-se de uma operação de curta duração não havia qualquer problema com a disponibilização dos efetivos necessários, quanto à força aérea disponibilizava vinte helicópteros equipados com as câmaras de deteção térmica e com seis paraquedistas em cada um, contudo, mais de vinte é que seria difícil de conseguir ter operacionais para um tão curto prazo.
A Marinha sugeriu o uso dos fuzileiros, mesmo sendo uma operação em terra, aconselhando que os mesmos se juntassem aos comandos vindos de Santa Margarida e aos rangers de Lamego. Decisão que foi aceite com agrado. Quanto às forças de segurança teriam na liderança, por parte da PSP o GOE, ou seja, o Grupo de Operações Especiais, sendo que os Gamas teriam de ficar de fora, face ao envolvimento do seu líder, o Superintendente Vítor Melo. Já a GNR seria liderada pelo GIOE, o Grupo de Intervenção de Operações Especiais.
Tudo teria de ser feito no máximo sigilo até ao momento do início do cerco. Apenas as chefias saberiam, até ao dia, onde decorreriam as operações e qual era o alvo. Conseguir manter a operação secreta era, sem dúvida, meio caminho andado para o sucesso. Nesse campo foi recordado à PSP que o GOE em primeiro plano e a Polícia de Intervenção em segundo, não podiam permitir qualquer fuga de informação para os Gamas.
Tendo em conta que os Gamas em Lisboa e no Porto tinham sido criados por Vítor Fernandes de Melo, ficou decidido pela Direção Nacional, que ambos os grupos seriam desmantelados e dispersos pelos diferentes serviços da PSP em Lisboa e no Porto, logo depois da operação chegar ao fim. Depois os intervenientes entraram nos pormenores técnicos e táticos. As lideranças tentavam ocupar os seus lugares naquela estrutura gigante, contudo, foi surpreendente o cuidado de todos para não se atropelarem uns aos outros.
Todavia, a disposição estabelecida no plano da Felina, que até parecia que conhecia bem as rivalidades entre as diferentes forças, facilitou imenso essa tarefa. O Governo ficou de organizar com os Serviços Prisionais a distribuição dos detidos até à deportação dos envolvidos e das respetivas famílias, que teria de ser rápida, pois não havia qualquer chance de os deixar em Portugal.
A prisão de toda a Kalinka no dia onze iria impedir os atentados agendados para catorze de novembro. Era prioritário que os líderes, os tais Cedros, fossem todos capturados, incluindo o famigerado sniper e depois, em seguida, os Zimbros, até ao último homem. Tinham que agir rapidamente, pois só faltavam cinco dias para o dia D, ou seja toda a logística tinha apenas quatro dias para ser operacionalizada.
Depois de estipulados os timings para todas as forças intervenientes a reunião foi encerra com os votos de sucesso deixados pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República. O Primeiro-Ministro e o Ministro da Administração Interna seriam os interlocutores diretos do governo com a força de ataque. Do lado das forças de ataque, Luís Navas, ficou como sendo o elo de ligação com os políticos e o líder da missão “Quinta Limpa”.
Ninguém que não soubesse daquela missão deu pelas movimentações das forças que se preparavam para o confronto. O momento do início do cerco estava agendado para as duas horas da tarde, uma vez que o almoço da Kalinka, à uma da tarde era, igualmente, a hora do discurso principal de Alex Budvi. Quem viesse depois já não passaria no cerco e seria apanhado logo à entrada. Não podendo fugir por onde chegara, nem tentando continuar para a frente. Todos os caminhos estariam tapados.
Desde a madrugada do dia onze de novembro, até pouco antes do meio-dia e meia o movimento em direção à quinta foi elevado e constante, porém, a partir dessa hora ninguém mais entrou, até porque os elementos de guarda ao portão encerraram o mesmo. Era evidente que tinha sido marcado um prazo de entrada. Luís Navas decidiu antecipar o cerco em vinte minutos. Passou a ordem aos outros líderes e dez minutos depois o cerco estava totalmente fechado. Até a estrada de acesso à quinta foi cortada cem metros antes, para cada lado.
De qualquer modo quem chegava a essas barreiras era totalmente revistado e devidamente identificado. Ninguém se atrasara, tal era o respeitinho imposto pelos chefes da máfia. Repentinamente o telemóvel de Navas tocou, era uma chamada que transmitia uma gravação vídeo, em tempo real, do que se passava dentro da quinta. A Felina contra-atacava. Aquela mulher era o fim.
(continua no próximo e último capítulo) Gil Saraiva
― Não é nada disso. Eu nem ligo a essas coisas, a Íris, que é provocadora, está é a ver se me afeta a compostura. Espere lá, a menina disse o quê? A Felina já esteve consigo? Como assim? Já falou com ela? Aquela sujeita é o diabo. Levou a semana inteira a gozar connosco e aproveita o único momento em que não tínhamos reposto a vigilância para ir falar consigo. O Navas não vai gostar… ― resmungava o enervado Carlos Farelo.
― Falei sim, e muito. Depois ainda me deixou um presente para vocês. Ela gosta de vos ver bem e de saúde e, neste momento, vocês têm todos a cabeça a prémio. Lembra-se nos filmes de cowboys dos cartazes dos bandidos colados na parede do saloon a dizer “Procura-se – Vivo ou Morto” é mais ou menos isso, mas com as chefias policiais como alvo, ah! Mais o Ministro da Administração Interna. Ao que parece a Secretária de Estado foi apenas um pequeno ensaio. ― Íris, sentia um silêncio imenso do outro lado. ― Vá lá, não se assuste que a Felina gosta muito de vocês. Até deixou a maneira de todos poderem salvar o pescoço. Está-me a ouvir Carlos? Alô? Tem alguém desse lado da linha? Carlinhos… cu, cu… sou eu… fugiu?
― A Íris tem estado a brincar comigo. Isso que diz é um absurdo. Quem se atreveria a vir atrás das chefias da polícia e do ministro? Fale lá a sério. Deixemos as pantominices de lado. Já falou ou não com a Felina? ― Carlos Farelo, insistia, sem saber o que pensar. A rapariga devia estar a brincar, mas não era de bom tom aquela brincadeira. Ela devia entender isso, não?
― Primeiro insistem para que eu tente falar com a gata. Depois tentam impedi-la de vir falar comigo sem arriscar ser presa, mesmo a sim a pantera arranja uma oportunidade e cumpre o prometido, faz mais do que isso, trás provas de um autentico assalto às cabeças do poder policial, do ministro, ao SIS, passando pela PJ, GNR, SEF, SIED, até à PSP e o Carlos, um dos cinco Diretores Adjuntos da Polícia Judiciária, acha que eu acordei tolinha, talvez com uma qualquer comichão estranha que não na cabeça, e que decidi que esta era uma excelente manhã para me divertir à custa da PJ. Francamente homem, acorde que eu tenho estado a trabalhar... ― retorquiu Íris.
― Uau! Mas tu estás a falar a sério, porra! Não saias de casa, vou ligar a Navas e vamos já para aí. Mas que caralho! ― A chamada foi desligada sem que Íris pudesse sequer comentar o último linguajar do Diretor Adjunto da PJ.
Luís Navas chegou ao número quatrocentos e quarenta e quatro da Rua de São Bento. Atrás dele vinham os cinco Diretores Adjuntos da Polícia Judiciária e mais uns sete ou oito inspetores que foram arrumar os carros e que depois ficaram na rua a controlar o espaço. Íris, com um sorriso, abriu a porta do seu primeiro andar e deu bons-dias aos seus seis convidados-surpresa.
Meteu-os todos à volta da mesa da sala de jantar. Fechou as cortinas para a rua, abriu uma tela portátil de dois por três metros, ligou o seu portátil ao projetor, meteu o SD Card no seu computador e antes de pôr as gravações em funcionamento, fez um ponto de situação.
Afinal, era importante refrescar a memória de todos os presentes naquela sala sobre os mais recentes factos:
― Não quero repetir tudo o que os senhores já sabem, mas apenas realço que a presente situação se deveu ao facto da Secretária de Estado da Administração Interna e do seu motorista terem sido assassinados. Também sabem que tentaram imputar as culpas na Felina, embora não imaginem porquê. No entanto a PJ, e muito bem, já provou que a acusação era falsa e conseguiu convencer, após alguns mal-entendidos, a Felina a colaborar com a autoridade. Por ideia vossa eu servi de intermediária e ela esteve nesta sala hoje de manhã (e não, nunca tirou a máscara). Trouxe-me um SD Card com filmagens que não só provam a sua inocência em todo este caso, como denunciam os verdadeiros culpados e ainda revelam os planos futuros daqueles que levaram a cabo estes assassinatos.
A jovem parou o seu monólogo para beber um copo de água. Achou admirável ver os outros cinco homens e uma mulher a olhar atentamente para uma tela em branco como se estivessem a assistir aos “Encontros Imediatos de Terceiro Grau”. Finalmente, continuou:
― Quero realçar que depois de ter visto e revisto o que me preparo para vos mostrar, cheguei à conclusão que tudo isto só foi possível graças ao profundo ódio que o vosso ex-coordenador superior Vítor Fernandes de Melo, nutre pela Felina, pelo senhor Diretor Nacional da PJ, Luís Navas e pelo Diretor Adjunto, Carlos Farelo. Pronto. Agora, sem mais demoras passo às imagens. ― afirmou Íris.
Depois deixou todos a assistir à conversa entre os elementos da Kalinka e o Superintendente. Primeiro a admissão da realização dos assassinatos, que ilibava automaticamente a Felina, depois o comprovar absoluto do envolvimento do Superintendente e finalmente os planos da organização para se espalhar pelo país, depois de abater a sangue frio, toda a cúpula da estrutura policial do Estado português. Segundo o que constava nas imagens já com prazos e datas marcadas, para o corrente mês, naquilo que sugeria ser uma operação relâmpago.
― Eu mato aquele filho de uma grande puta do Vítor... ― gritava Carlos Farelo, já levantado da cadeira, rubro de fúria, apontando para a tela agora em branco. ― Um mal-agradecido que cospe em quem lhe deu a mão. É isso que esse cabrão é. Filho de uma grande cabra.
― Eu, peço desculpa, Senhor Diretor Adjunto… ― adiantava, Íris, com algum divertimento. ― Contudo, não me parece correto vir agora discutir para aqui, as relações zoófilas do pai de Vítor. Muito menos a sua natureza, ao que parece, mais ou menos chifruda. A situação mostra-se mais grave do que isso. Se ouviu bem eles têm uma reunião na quinta de Sintra com toda a Kalinka Isto, dias antes de partirem para um alargamento nacional por duas fases, primeiro somando as bases do Algarve e Coimbra e depois o resto do território. Para além disso faço notar que os próximos assassinatos estão igualmente agendados para depois dessa reunião magna. No meu entender o melhor a fazer seria apanhar as galinhas todas, incluindo as do Porto, dentro da mesma capoeira. Aí, uma vez resolvida esta situação penso que será possível o Senhor Diretor Adjunto, resolver a questão da maternidade caprina de Vítor. O que lhe parece? Acha viável? Quer considerar a minha proposta?
― Essa é muito boa Doutora Íris. ― Luís Navas aproveitava para intervir não fosse o seu adjunto recomeçar a disparatar. ― “Resolver a questão da maternidade caprina de Vítor”. Realmente um tema profundo e de um interesse absoluto para zoofilia, que não para a PJ.
― Sempre pronta a ajudar Senhor Diretor Nacional. ― Íris, respondia ao mesmo tempo que se levantava para indagar: ― Alguém quer um café? Fazer para um ou para sete é igual.
― Boa ideia, Doutora Íris Vasconcelos. Entretanto, eu tenho que fazer uma chamada. Aproveitamos para fazer uma pausa. ― Navas, retorquia, enquanto se afastava até perto da janela da sala.
Os cinco adjuntos da Polícia Judiciária ficaram em torno da mesa a tentar absorver toda aquela informação. Íris, por seu turno, desapareceu para a cozinha. Voltou com quatro cafés num tabuleiro, ainda a fumegarem, para quem tinha levantado o braço.
Junto trazia o seu telemóvel. Recebera uma mensagem da Felina com um plano de ataque. Nele a gata propunha a utilização do exército e do maior número de chaimites ou de pandur II possíveis, bem como dos aramites apreendidos a Muttley, se ainda não tivessem sido enviados para a Ucrânia. Afinal, aqueles aranhiços blindados à moda de chaimites eram ultraleves, rápidos e ótimos para ajudarem a cercar a quinta, ali, naquela zona de serra.
A outra ideia, uma vez que a Base Aérea de Sintra estava por perto, era terem os helicópteros prontos para dar caça aos fugitivos desde que tivessem câmaras térmicas instaladas. A PSP e a GNR podiam fazer um segundo e um terceiro cerco em volta da quinta e os militares e a PJ seriam responsáveis pelo primeiro. O plano continuava e no final vinham anexos quatro esquemas explicativos da colocação e ação de todos.
Passou o telemóvel a Luís Navas que lhe pediu para ela reenviar para ele toda a informação. Aquilo parecia-lhe muito bem. Evitariam confronto direto e mortes e uma vez cercados, e com todo o perímetro devidamente guardado iam-nos apanhando através de um simples cerco. Com alguma sorte podiam apanhar o bando sem causar baixas do lado deles. Aquela gata era realmente uma pena estar do lado errado da barricada. Era um ativo muito útil.
Quanto à segunda-feira, dia catorze, tratariam de eliminar o Ministro da Administração Interna, Joaquim Raiz Cordeiro, mais uma vez através de sniper. Com as polícias sem grande liderança política, seria mais fácil, em seguida, eliminar os principais chefes das organizações policiais. Depois, com novos tipos nos lugares e até que estes se ambientassem, já a Kalinka se teria ramificado por todo o território nacional sem grande resistência.
Esta conversa decorria uma vez mais do salão do solar de Sintra. Estavam agora presentes o chefe e mais seis Cedros, sendo um deles o sniper. Pelo que a jovem conseguia entender a estratégia e as datas desta vez vinham da cabeça de Budvi. Aparentemente, o Superintendente preferia mais alguns dias de permeio, mas o outro estava com pressa. Eram onze e trinta da manhã do dia cinco de novembro, sábado, quando Íris juntou mais esta conversa ao SD Card onde já tinha as outras gravações. Guardou igualmente, no seu gabinete secreto, uma outra cópia para si.
O descontentamento do Superintendente não era apenas devido à falta de novidades sobre o assassinato, nem muito menos devido à antecipação um pouco precipitada de Alex Budvi, indo agir mais cedo do que tinham planeado, nada disso, o que o andava a enervar era nada saber da Felina. Era inverosímil que em tantos dias ainda ninguém soubesse coisa alguma.
Teria a Felina saído do pais? E sem primeiro tentar provar a sua inocência? Não! Isso era impossível. O orgulho da gata fora posto em causa. Ela estava em campo e, certamente, a agir. O busílis era a fazer o quê e onde… onde? O Superintendente tentava pôr-se no lugar da pantera, mas realmente não lhe apareciam grandes alternativas.
Já para Alex Budvi, a pantera virara gatinha, devia estar a curtir uma diarreia de medo, algures num buraco qualquer. Ele tinha que se lembrar que a tipa não sabia sequer quem a tentara acusar e de onde vinha o perigo. Por mais esperta que a mulher pudesse ser, não só não deixava de ser mulher e, portanto, cobarde, como nem podia contra-atacar um inimigo fantasma que desconhecia. O seu amigo Superintendente devia estar mais relaxado, a fulana escondera-se, a tremer de medo, numa cova escusa. Apostava Budvi. As mulheres eram todas umas medrosas.
O telefone de Érica Chandler Vidal tocou, eram os responsáveis da criação da sua Fundação nos Estados Unidos da América. Sim, porque ela, depois de ter pensado muito em várias soluções, fizera algumas alterações ao que inicialmente tinha decidido. Acabou por escolher uma empresa de recrutamento de talentos para lhe escolher a equipa certa para criar e gerir a fundação, tratar das transições de ativos para a fundação, mas sem fundos de investimento ou quaisquer outros, como de pensões, por exemplo, sem produtos financeiros de capital de risco ou de produtos de que ela entendesse pouco e, para além de capital líquido, apenas ficaria com ações ou aquisições de ações de empresas que ela achava serem sérias e não dedicadas a especulação.
Quanto ao ramo imobiliário decidira manter as propriedades que tinha, entre elas a manutenção de um imóvel, pronto a habitar, em cada Estado americano, bem como diversas residências espalhadas pelo estrangeiro. Contudo, neste setor, tudo ficava em nome da fundação, com seu uso exclusivo ou de quem ela designasse. A manutenção e conservação dos imóveis mantinha-se sob a alçada da fundação. Onde fosse necessário existirem carros, barcos, jatos, helicópteros, motos ou outros meios, ela escolheu as marcas e os modelos dos carros e das motos e deixou ao cuidado da fundação a escolha dos outros meios, incluindo marcas e modelos dos mesmos. Também deixava a cargo da fundação a manutenção desta frota.
Depois haviam normas e detalhes para tudo o que considerava interessante investir, fazer ou criar de raiz e agendara para Lisboa uma reunião trimestral com a direção da fundação. Todos os outros pormenores constituíam mais de quinhentas páginas que se encontravam em duplicado na sede da fundação em Nova Iorque e consigo, quer em formato digital, quer em papel.
A empresa de recrutamento da equipa para a direção da fundação apresentara-lhe dez homens e outras tantas mulheres. Ela fizera via Zoom as entrevistas. Tivera que as dividir por quatro dias seguidos porque perdera mais de uma hora com cada um deles.
No fim escolhera seis mulheres e quatro homens. Com duas das mulheres à frente da equipa. Ficou satisfeita, escolhera bem o grupo, ninguém contestara.
Do que tinha pensado fazer anteriormente, manteve a ideia dos bairros dos emigrantes trabalhadores e prestadores de serviços nas principais cidades americanas. Fazia também questão que os representantes da Érica Chandler Foundation For The Future, em cada local ou cidade, fossem quadros novos com pelo menos mestrado, a iniciarem o primeiro emprego. Precisava de gente que tivesse margem de crescimento e sem trazer vícios de trabalho vindos de outros locais.
Agradecera também via Zoom ao Secretário de Estado do Tesouro americano, pela sua amável disponibilidade e à Embaixadora americana em Portugal, na supervisão da transição do seu património e do facto de a terem mantido informada. Devido à sua saída a Vanguard deixara de ser a segunda do ranking mundial, descera quatro lugares no ranking das firmas gestoras de fortunas, mas já se encontravam em franca ascensão.
Graças à ajuda inestimável do Secretário de Estado do Tesouro americano, fora fácil enviar para uma conta em seu nome, para o Millennium BCP, cinquenta porcento dos dez por cento que guardara para si pessoalmente. No entender do sujeito a percentagem de verba que ela decidira transferir para Portugal era bem inferior à que eles tinham julgado lógica e possível. Deixavam até a porta aberta para outras futuras tranches que Érica pudesse achar necessárias, mesmo ela a dizer que se tivesse sabido que era todo aquele capital nem três porcento disso teria transferido.
Íris, tinha perfeita noção que agira como ela mesma e não como Érica. Mas agira de modo a nunca ter de tocar num cêntimo daquele dinheiro para ela. Assim, desta forma, mesmo o dinheiro que ficara em nome pessoal de Érica ainda podia servir para ajudar terceiros, porque dali não tensionava usar um centavo em seu proveito próprio. Aquilo não era dela, nunca fora, nem nunca iria ser. Se ela fosse pobre, talvez pensasse diferente, mas não era e isso serenava-lhe a alma.
A chamada com Alicia Kinght, e Pati O’Brian, a Chairwoman e CEO, da fundação no seu lugar, servia para estas lhe dizerem que estava tudo pronto e preparado para se assinarem os últimos papeis e a fundação começar a laborar. Elas queriam saber se os dez elementos podiam vir a Portugal.
Podiam e deviam. Ambas informaram que, de acordo com as diretrizes de Érica para quando tudo estivesse pronto, tinham reservado quartos no Ritz em Lisboa, conforme esta determinara, para o sábado, dia doze de novembro. Ainda conforme determinado, seria esse o ponto de encontro para depois irem jantar e assinar a última papelada. Exatamente, confirmara Érica, à exceção da data que na altura ainda não conheciam, elas tinham feito tudo a seu contento. Estava combinado. Despediram-se e Érica desligou.
Pronto, aquele assunto ficara arrumado, ela não gostava nada de ser a ricaça da Érica. Aquilo nem ao menos era dinheiro roubado. Fazia-lhe algum transtorno. Nem imaginava como é que a Vanguard gerira e aumentara daquela maneira o património da mãe de Érica, e achava até melhor nem saber. Assim, para o futuro, sempre serviria para ser útil a muita gente.
A manhã de domingo, seis de novembro, chegou com bom tempo. Íris, que acordara com uma ideia fixa, levantou-se, tratou de si e por fim, depois de estar com o pequeno-almoço tomado, vestida e arranjada, achou que era tempo de ligar para o seu amigo Farelo. Notou que ainda só eram nove da manhã, quase madrugada para ela. Marcou o número do Adjunto do Diretor da Judiciária e aguardou:
― Bom-dia, Carlos, já está bem acordado ou ligo mais tarde? ― disse Íris, satisfeita pelo Diretor Adjunto já estar a pé.
― Levantei-me às oito, menina Íris. Só ainda estou em casa porque tenho estado ao computador a despachar serviço que trouxe comigo. Não tarda vou estar com Luís Navas. Temos de arranjar uma maneira que resulte para a proteger aquando do seu encontro com a Felina. Pode a menina não concordar, mas ficamos todos bem mais descansados ― esclarecia Carlos Farelo.
― Hum… muito bem. Só é pena que já venha tarde. Ela esteve aqui e acabou de sair. Ou julga que eu estou a pé a esta hora só porque me deu vontade de falar consigo? Cá para mim, o Carlos acha-se charmoso e julga que tudo o que tem saias anda atrás de si, não? Hum… ― indagou Íris divertida com a situação.
Do outro lado ouviu que alguém rosnava uns ruídos do interior da garganta.