Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Não sei se viste as notícias ontem, se, por acaso, as acompanhaste sabes, como eu, que Portugal tem um novo banco. E não, nada tem a ver com o já velho Novo Banco pois que este se trata de um novo banco novo. O Estado volta a meter-se no campo pouco digno (a acreditar no que tem acontecido nos últimos anos no país) do setor bancário, sem pensar nas consequências.
Desta vez (uma vez mais) para agilizar a economia nacional e fazer chegar mais rapidamente às empresas e ao investimento os apoios, os fundos europeus e os incentivos económicos agilizados pela dispensa de um outro banco que, metido no meio da equação, apenas sirva de intermediário, com interesses e decisões próprias, que possam ser tendenciosas, ajudando principalmente a sua respeitada clientela fiel e, em muitos casos, amiga.
Na teoria tudo isto é muito bonito. Mas, depois de em 2019 termos injetado na CGD (do dinheiro dos contribuintes) mais 3,5 mil milhões de euros. Criar mais um banco estatal não me parece ser a mais sensata das soluções. Armando Vara foi condenado por que motivo? Ainda alguém se recorda? E vamos lançar mais um banco? Uma instituição que negoceia diretamente com as grandes empresas, o capital e os investidores, os fundos que devem chegar a Portugal nos próximos anos e mais as verbas geradas no próprio país…
Vamos com isso simplificar a burocracia? Num banco do Estado? Vamos avançar com mais 50 ou mais pessoas, entre direção e cargos de topo, encarregadas de distribuir e negociar biliões de euros com os grandes grupos e outros não menos grandes investidores? O tal novo Banco de Fomento, virá mesmo agilizar o setor? E será dirigido por gente impoluta, disposta a desenvolver ou ajudar a dinamizar a economia nacional sem burocracia, nem corrupção?
Pode ser que sim, vivemos num tempo em que (no “America’s Got Talent”) já vi uma galinha a tocar o hino nacional americano ao piano e em que, para manter os exemplos no mesmo país, um “galaró” é eleito Presidente da República. Vivemos igualmente num país em que BPN, BPP, Banif, Montepio, BCP, CGD, BES, Novo Banco, (e devo estar-me a esquecer de outros) já nos demonstraram quão fiável é o nosso setor bancário e quão sérios e idóneos são os nossos banqueiros.
E este novo Banco de Fomento vai trabalhar com e para os portugueses? Ajudar a erguer projetos fruto da nossa brilhante criatividade? Incentivar a cultura que se arrasta numa mendicidade de fazer corar Pessoa e Camões? Promover a Língua Portuguesa? Não, não, não e não. Isso são meras filosofias dos sonhadores e dos intelectuais de esquerda. A boa cultura é, para estes senhores, genuína apenas se nascida do seio do miserabilismo nacional.
Aliás, quanto muito, apoiarão hipoteticamente possíveis novos eventos e cimeiras às quais vestirão pomposamente o manto dourado da cultura. Uma capa conhecida, essa dos criadores (pelo eufemismo) de uma dita “Pseudocultura”. Um campo vasto criado para desviar fundos dos sempre marginalizados e despojados criadores nacionais de real mérito e valor. É muito mais fácil apoiar uma escola de samba do que uma de música. Disso não restam dúvidas, nem questões.
Eu cá, que não tenho que ser levado em consideração na matéria, uma vez que não passo de mais um simples e ingénuo popular, acho que, em vez de se criar um novo Banco de Fomento, se deveria fazer nascer um novo Banco de Cimento.
As vantagens seriam imensas. Um novo Banco de Cimento seria mais sólido, mais duradouro, mais estável e menos corrompível (é claro que teríamos de ter em atenção a quem encomendávamos a obra, não fosse o construtor aldrabar o banco trocando o cimento necessário por areia baratinha, desregulando as devidas proporções).
Enfim, amiga Berta, tenho dúvidas que tudo isto seja mais do mesmo e que, daqui a algum tempo, alguém venha dizer que era impensável imaginar que o que referi pudesse acontecer. Despede-se com um beijo, este teu grande amigo,
Raramente te envio poesia nas cartas que te escrevo, mas já aconteceu e voltará, por certo a acontecer. Espero que te agrade. Não julgues que me esqueci que também tu gostas da noite.
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“O SER DA NOITE”
Para um vagabundo dos limbos,
Um haragano, o etéreo,
Um Senhor da Bruma,
A menina, enquanto mulher,
É a fragrância que lhes tolda a mente,
Fundindo-os a todos
Num ser ímpar que vive da sombra,
Buscando o odor feminino que,
Com a noite,
Lhe invade a razão,
Fazendo-o sonhar que o impossível
Apenas demora mais tempo.
Uma amálgama de sensações odoríferas
Onde a higiene, o perfume e sexo
Se transmutam num só cheiro,
Que embriaga o cérebro
E lhe desperta o corpo,
Tornando o mais pacato dos homens
Em predador feroz,
Sedento de uma presa que se anuncia
Na diáspora das sombras
E da bruma.
Tudo se desfoca na neblina da Lua,
Até a razão, a inteligência e o ego,
O instinto consegue fundir-se,
Em harmonia com o sentimento,
O amor com o sexo,
O animal com o racional,
Gerando aquela coisa estranha
A que se chama homem,
Esse urbano selvagem
Que busca insano
Pela alma gémea que o entenda,
Nessa demanda,
Consagrada pelos poetas,
A que muitos chamam de amor.
Enquanto mulher,
A presa torna-se armadilha,
Flor singular num jardim de espinhos,
Capaz de fazer sangrar a alma
Do mais empedernido predador.
Tornando-o escravo da demanda,
Doce vassalo e jardineiro
Que não teme os espinhos,
Os venenos, os caminhos sinuosos,
Da noite onde a bruma
Faz o papel de manto da Lua,
No jardim da essência emocional,
Rendida à paixão
A que simplesmente chama de sentimento.
A prosa de uma resposta
Transfigura-se em poema,
O sonho ganha moldes de imperfeita realidade,
O pensamento identifica-se como emoção,
O paradoxo vira quotidiano
E a mulher significa felicidade…
Para o ser da noite
A luz chega com o crepúsculo,
Na janela perdida,
Na bruma efémera de um luar.
Gil Saraiva
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Hoje, foi dia de poesia neste espaço de cartas e narrativas que normalmente te escrevo, querida Berta. Haverá, por certo, outros dias assim, nunca sei quando chegam, nem quando se vão. Por agora, vou-me eu. Recebe deste teu amigo o habitual beijo terno,
Mesmo tentando resumir tudo o que me move em Agostinho da Silva, seria impossível ter enviado uma única carta, para ti, sobre um homem que durante 88 anos nunca parou. Mesmo estas 2 deixam por referir imensas e importantes facetas do Professor. O espaço que ele ocupa no meu Diário Secreto do Senhor da Bruma é muito pequeno para a dimensão do homem em causa.
Contudo, o que mais importa no Diário é a influência que Agostinho teve na criação e desenvolvimento da minha própria consciência e pensamento. Esse é o papel, de uma importância que ultrapassa facilmente a relevância dos outros 8 filósofos do pensar, a que também me refiro nas minhas conversas sobre a consciência.
Afinal, ele foi, na realidade, um dos pensadores mais influentes na minha formação enquanto ser pensante. Importa, pois terminar a presente apresentação deste homem de pensamento em permanente ebulição:
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III
Conversas com a Consciência
4) Agostinho da Silva
Parte II
(continuação – III – 9)
Maio, dia 7:
A partir de 1944 e por mais de 10 anos, manteve um contacto estreito com o filósofo, lógico e matemático brasileiro Vicente Ferreira da Silva e com a poetisa Dora, esposa de Vicente. Em 1954, a convite de Jaime Cortesão, colabora ativamente na organização da Exposição do Quarto Centenário da Cidade de São Paulo. Escusado será dizer que o evento, programado por esta dupla foi um tremendo sucesso na época e ainda hoje é lembrado como um dos melhores já criados em São Paulo.
Maio, dia 8:
Agostinho da Silva não sabia estar parado, nem muito tempo no mesmo lugar, tinha, como costumava dizer a minha mãe, bicho carpinteiro, por isso torna-se em Florianópolis um dos fundadores da Universidade Federal de Santa Catarina. Em seguida cria o Centro de Estudos Afro-Orientais e ensina Filosofia do Teatro na Universidade Federal da Bahia. Ambos com um impacto notório na vida cultural e criativa entre os agentes culturais do Estado e os próprios criativos, onde a cultura nativa tem direito a um destaque até então nunca assumido a nível dos estudos superiores, ajudando, desta forma, ao desenvolvimento e entendimento da cultura baiana.
Maio, dia 9:
Entre os seus notáveis alunos, alguns nunca mais o esqueceriam, pelo papel marcante que Agostinho teve nas suas vidas, entre eles, dizia, estão muitos criativos, artistas, músicos e cantores como, por exemplo, os irmãos Caetano Veloso e Maria Betânia, que ainda hoje o recordam com saudade. Para o Professor a interatividade do pensamento levava ao progresso e era fundamental o choque de ideias e filosofias para que se conseguisse progredir com sucesso quer a nível cultural, filosófico, intelectual e fundamental criativo, sendo este último a génese de todos os restantes, pois sem criatividade não há pensamento que consiga evoluir saudavelmente.
Maio, dia 10:
A influência de Agostinho da Silva no desenvolvimento e divulgação da vasta cultura brasileira estende-se, ao longo de 25 anos de Florianópolis ao Nordeste, passando pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, numa época culturalmente muito criativa e plena de atividade no Brasil. Aliás, o Professor torna-se, em 1961, assessor para a política externa do presidente Jânio Quadros. O político vê em Agostinho alguém com uma perfeita visão global da cultura e intelectualidade brasileira em particular e da difusão da língua portuguesa como veículo primeiro para a afirmação positiva do Brasil no mundo, com especial incidência no Hemisfério Sul.
Maio, dia 11:
Agostinho é um dos fundadores da Universidade de Brasília e do seu Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, já em 1962. Com esta Universidade bem lançada, parte para a Bahia onde leva a cabo mais um grande projeto, criando, de raiz, a Casa Paulo Dias Adorno em Cachoeira. Pela mesma altura idealiza o Museu do Atlântico Sul, em Salvador da Bahia. A ideia era destacar a importância e o relevo do triangulo lusófono entre Portugal, América do Sul e África, um destaque que explica bem porque a língua portuguesa é, de longe, a língua mais importante e mais falada em todo o Hemisfério Sul.
Maio, dia 12:
Agostinho da Silva volta ao seu país natal em 1969, após a morte de Salazar e depois da sua substituição por Marcello Caetano, facto que o leva a pensar haver mais alguma abertura política, intelectual e cultural no regime e a convite do Estado Novo, porém é preso à chegada pela PIDE porque o Governo se esquecera de anular a sua ordem de prisão, ainda ativa na polícia secreta. Sanada a confusão é solto e mantendo-se fiel à sua criatividade continuando a escrever e a dar aulas em diferentes universidades lusas, gerando e desenvolvendo o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Técnica de Lisboa, e tornando-se consultor do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa designado, atualmente, por Instituto Camões.
Maio, dia 13:
Mário Soares a 12 de março de 1987, atribui-lhe a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. Em 1990, a RTP convida-o para uma série de treze entrevistas, denominadas Conversas Vadias. Várias delas tornam-se memoráveis, sendo que algumas sofrem interpretações, no mínimo duvidosas, como a relativa ao estudo histórico sobre o culto do Espírito Santo, que foi publicada pela editora Zéfiro em 2006. Agostinho da Silva faleceu no Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, no ano de 1994.
Maio, dia 14:
Todavia, de todo o seu vasto pensamento, as 3 coisas que contribuíram definitivamente para a formação da minha consciência. Aliás, elas definem, em si mesmas, o seu percurso de vida, porque apresentam as noções absolutamente claras de: liberdade, criatividade e defesa da língua portuguesa. Um triângulo que faz de Agostinho da Silva, o maior defensor do património linguístico nacional, depois de Camões e Fernando Pessoa, também o terem feito sem a mesma certeza e consciência global.
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É na despedida e homenagem a este imenso ser, um inigualável Agostinho da Silva, que me despeço de ti, amiga Berta, com um beijo e um abraço dentro da virtualidade dos nossos dias, sempre pronto para o que der e vier, este teu amigo,
Espero que esta carta te vá encontrar bem e feliz com as férias que estás a usufruir. Hoje, por estranho que te possa parecer, o meu filosofo e pensador é português. Se eu te falar no George Agostinho Baptista da Silva talvez isso te diga pouco. Porém, se te disser que vou falar de Agostinho da Silva, o meu quarto pensador de eleição, no Diário Secreto do Senhor da Bruma, já tudo fica bem diferente. Ora, isso acontece contigo e com a maioria das pessoas. Poucos são os que o reconhecem pelos nomes de George e Baptista, muito poucos.
Estou a referir-me a um dos grandes da cultura portuguesa do século XX, mas não só. No que concerne ao pensamento, a propósito da importância do Professor, ele está entre os maiores de toda a história do país. Por isso entro diretamente no tema, sem mais delongas:
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III
Conversas com a Consciência
4) Agostinho da Silva
Parte I
(continuação – III – 8)
Abril, dia 28:
4) Agostinho da Silva (13/02/1906 – 03/04/1994) - Formação superior em Filologia Clássica, Doutoramento com a apresentação da tese: “O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas”, filólogo, filósofo, professor e pensador:
Sobre Agostinho da Silva há muito a dizer, seria relativamente fácil citar os seus cadernos editados periodicamente, os livros que publicou, as Universidades em Portugal e no Brasil onde lecionou e que ajudou a formar. Como também é fácil descrever a inovação que trouxe ao ensino em Portugal e no Brasil, a nível universitário, bem como a imensidão de gente a quem conseguiu tocar com o seu raciocínio e brilhantismo genial.
Abril, dia 29:
Há quem o considere um adepto praticante do panteísmo, do milenarismo e da ética da renúncia, contudo, ele é sim, a meu ver, o primeiro defensor da deontologia do ser em oposição às tendências do ter, ou seja, o poder e a riqueza não está no que se tem ou possuí, mas, inversamente, no que se conhece e absorve na plena posse de um estro livre de dogmas e preparado para se desenvolver sem contingências, ou seja, é na livre inteligência emocional que o ser humano se supera a si próprio.
Abril, dia 30:
Poderia falar da sua luta contra os regimes ditatoriais em Portugal e até no Brasil, descrever porque foi preso pela PIDE ou reportar a sua influência no meio intelectual e cultural nestes 2 países e nos outros Estados de Língua Oficial Portuguesa, mas não só. Seria até entediante apontar todos os países que visitou e onde fez questão de deixar a impressão marcante do seu pensamento. Não foi em vão que Agostinho criou os vários Centros de Estudos no Brasil e em Portugal. Em todos eles a intenção era a mesma: Reforçar o papel da língua portuguesa.
Maio, dia 1:
Fosse o Centro de Estudos Afro-Orientais, o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, ambos em terras de Vera Cruz ou o Centro de Estudos Latino-Americanos em território Luso, todos tinham, no seu conjunto, a defesa da nossa língua como vetor primário. A formação em Filologia Clássica, que examina os sistemas linguísticos da Antiguidade Clássica, com especial incidência no latim e no grego antigo, marcou, em Agostinho, a verdadeira importância da língua na história dos povos e das civilizações.
Maio, dia 2:
Agostinho da Silva considerava o trabalho uma excrescência social que os Estados tinham inventado para formatar e moldar os espíritos dos seus cidadãos, de acordo com as suas normas e interesses próprios. Para ele, quem fazia o que gostava, nunca trabalharia na vida, pois que, na sua definição desta labuta estava implícita a obrigação de se fazer diariamente o que se não gosta, com vista a poder-se sobreviver, num determinado contexto comunitário. Por outro lado, cumprir um papel numa qualquer área da qual se gostava, fosse tratar do lixo ou desenhar um edifício, não era trabalho, mas sim uma atividade criativa.
Maio, dia 3:
Formado no Porto com a classificação máxima de 20 valores e doutorado com louvor, no ano seguinte, em 1929, ainda com 23 anos de idade, Agostinho passou posteriormente pelo «Collège de France» e pela Sorbonne, na qualidade de bolseiro, absorvendo as luzes de Paris. Foi professor do ensino secundário em Aveiro, por pouco tempo. O Estado queria que os funcionários públicos assinassem um documento vinculativo ao regime, coisa que ele recusou.
Maio, dia 4:
Aproveita, então, uma bolsa do Ministério das Relações Exteriores de Espanha e ingressa como investigador no Centro de Estudos Históricos de Madrid. Em 1936 regressa a Portugal devido à probabilidade de deflagrar uma Guerra Civil em Espanha, como veio a acontecer. De volta ao seu país, cria o Núcleo Pedagógico Antero de Quental em 1939, e em 1940 lança em fascículos a Iniciação: Os Cadernos de Informação Cultural.
Maio, dia 5:
Entre outras coisas são os cadernos que o levam a ser preso pela polícia política em 1943. Libertado, decide abandonar o país e, no ano seguinte, ruma em direção à América do Sul, passando pelo, Uruguai, Argentina e o Brasil, como consequência da sua clara oposição a Salazar e ao seu Estado Novo. Em 1947, decide-se a ficar a residir no Brasil, onde viverá até 1969. Passando, a partir de certa altura, a ter dupla nacionalidade.
Maio, dia 6:
Começou por escolher São Paulo, como ponto de partida e, mais tarde, muda-se para Itatiaia, onde funda uma comunidade. Contudo, em 1948, começa a colaborar com o Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, onde estuda entomologia, enquanto se mantém, simultaneamente, como professor na Faculdade Fluminense de Filosofia. Por essa altura, junta-se ao seu amigo Jaime Cortesão, com quem colabora nas pesquisas sobre Alexandre de Gusmão. De 1952 a 1954, ensina na Universidade Federal da Paraíba em João Pessoa e também em Pernambuco.
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Para Agostinho da Silva é mais interessante conhecer e conversar com alguém que discorde da sua opinião, e que fundamente uma outra qualquer, do que ser simplesmente acompanhado nas ideias e na sua maneira de ver o mundo. Segundo o professor é do debate e do diálogo que o mundo evolui e se desenvolve.
Esta revelação serve de fecho para a carta de hoje, este teu amigo, minha querida Berta, despede-se com um beijo de imenso carinho e saudades, como alguém sempre ao dispor e ao serviço dos que lhe são queridos,
Continuando nos pensadores com mais peso na formação da minha consciência e que me levaram a criar a noção de Afinismo (segundo a qual a humanidade evolui pela interatividade próxima ou remota dos envolvidos e pelos laços entre si), não podia deixar de referir, entre os eleitos, Henry Jenkins.
Ele é o homem que defende as convergências, um conceito que, no meu entender, só pode ser explicado se o Afinismo for realmente uma realidade e não apenas um conceito inventado por mim, num dia de abundância cerebral, por parte da minha inteligência emocional. O meu terceiro pensador em destaque, no Diário Secreto do Senhor da Bruma é, por isso mesmo, Henry Jenkins.
Podes achar estranho eu não referir, nos meus 9 nomeados, alguns génios como Albert Einstein, Franz Kafka, Sigmund Freud entre outros, e são bastantes, referenciados genericamente como aqueles pensadores, génios, filósofos ou cientistas, sem os quais o mundo de hoje não seria aquilo que é.
Todavia, por muito fundamental que o seu trabalho, pensamento e desenvolvimento científico, tenham sido, não contribuíram diretamente para a formação da minha consciência que é aquilo que aqui se encontra em causa. Não estou a estudar a Humanidade, em geral, mas apenas a minha própria humanidade. Regressando ao tema:
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III
Conversas com a Consciência
Pensadores: 3) Henry Jenkins
(continuação – III – 7)
Abril, dia 22:
3) Henry Jenkins (04/07/1958) - Formação superior como jornalista e em Ciências Políticas, mestrado em Estudos da Comunicação e doutoramento (PhD) em Artes da Comunicação, pensador:
Henry Jenkins nasceu em Atlanta nos Estados Unidos da América a 4 de junho de 1958, publicou mais de uma dúzia de livros e foi coautor em mais de 2 dúzias de outras publicações. Para ele “… não basta assistir, há que participar…”.
Abril, dia 23:
“Nenhum estudioso jamais saberá metade do que os fãs sabem sobre cultura pop.” Afirmaria Henry, convicto.
Jenkins passou grande parte da sua vida a estudar o comportamento dos diferentes meios de comunicação, nas suas várias plataformas, em combinação com o comportamento e interação dos utilizadores das mesmas, quer enquanto sujeitos passivos, quer, e mais importantes segundo ele, no papel de intervenientes ativos e verdadeiramente participativos nos conteúdos. Os media não conseguem cumprir o seu verdadeiro papel se não interagirem com os seus consumidores.
Abril, dia 24:
Para Henry, um verdadeiro envolvimento do consumidor implica múltiplas plataformas de participação para um mesmo conteúdo, sejam elas: os livros, os jogos, os filmes e a própria interatividade entre plataformas e consumidores. Inclusivamente o antigo agente passivo, fosse leitor, jogador ou espetador, pode, agora, ele próprio gerar novos conteúdos, seja através da criação de sequelas do produto original, seja com a promoção ou criação de produtos derivados do inicial. O que importa é que a cultura funcione de modo convergente, participativo e dinâmico.
Abril, dia 25:
Com efeito, Henry Jenkins, acabaria por sintetizar todo este novo raciocínio num livro onde se debruça sobre a política desta sabedoria convergente, explicando, de forma clara, o conceito da cultura de convergência.
Um conceito inovador pela sistematização e definição do que a realidade já apontava, à data, como um caminho emergente e em expansão.
Abril, dia 26:
Não é minha ideia explanar aqui toda a filosofia do pensador, afinal, para isso, existem múltiplos recursos disponíveis nas mais diversas plataformas. Situação que é transversal a todos os pensadores que refiro neste meu Diário Secreto do Senhor da Bruma. O que é relevante é o impacto que os mesmos tiveram na formação do meu pensamento e, consequentemente, na minha noção de consciência. Analisar as ideias dos pensadores aqui referidos será sempre uma opção de quem me possa vir a ler e demonstre nisso algum interesse, e, nunca, o papel de um diário deste género, que tem por função apenas explicar aquilo que mexe comigo e com as minhas ideias.
Abril, dia 27:
O universo dos Media, o seu estudo, a interação com os consumidores, implica uma política ativa, participativa e dialogante no entender de Jenkins. Tudo isso origina a sua chamada Cultura de Convergência, fundamental para a compreensão do nosso quotidiano. No entanto, para mim, a relevância desta convergência é que ela implica obrigatoriamente a interação dos que têm interesses afins promovendo uma participação conjunta e originando, de modo claro, inequivocamente, uma filosofia afinista que eu defendo com unhas e dentes.
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Não me demoro mais, minha querida amiga, uma vez que já vai longa esta minha carta para ti. Despeço-me com um beijo, sempre saudoso. Sei que tens a noção de sempre poder contar comigo, que é o que mais me importa. Recebe um simpático «até amanhã», do velho amigo,
Como o prometido é devido e não de vidro, cá estou eu a acabar o conteúdo referente ao meu segundo pensador, incluído no Diário Secreto do Senhor da Bruma. Espero que gostes do cavalheiro, ou, pelo menos, da minha apresentação sobre o mesmo:
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III
Conversas com a Consciência
2) Chris Anderson – Parte 2/2
(continuação – III – 6)
Abril, dia 14:
Chris Anderson publicou 2 artigos fundamentais para o entendimento do seu pensamento no magazine que editava. Em 2004 e em 2010. O primeiro chamava-se “The Long Tail” e o segundo “Os átomos são os novos bits”. Graças a estas 2 erupções das suas ideias publicou os seus primeiros 3 livros, uma trilogia ímpar do raciocínio cognitivo moderno, em 2006, 2009 e 2012, nomeadamente: “The Long Tail (A Cauda Longa): Por que o futuro dos negócios vende menos ou mais”, “Free (Grátis): O futuro de um preço radical” e “Makers: The New Industrial Revolution (Fabricantes: A Nova Revolução Industrial)”.
Abril, dia 15:
O primeiro livro de Chris explica que os produtos com pouca procura ou com menor volume de vendas podem se associados aos seus congéneres gerar uma participação de mercado acima da dos seus rivais, ou superar os escassos «Best-sellers» e «blockbusters» atuais, desde que a loja ou o canal de distribuição seja grande o suficiente. Esta revolucionária ideia de fazer mais com menos fez o livro chegar à lista dos livros mais vendidos na categoria dos Não-Ficção do New York Times e garantiu-lhe em 2007 o prémio, relativo às publicações de negócios, «Gerard Loeb Award» o mais prestigiado galardão da especialidade.
Abril, dia 16:
No segundo livro, Anderson, analisa os benefícios de uma estratégia em que os produtos e serviços são inicialmente entregues aos clientes de modo gratuito ou quase e como as empresas podem ganhar mais com este método a longo prazo. A aplicação das estratégias dos 2 livros é fácil de verificar quando, por exemplo, a Google, lhe oferece um telemóvel de gama média-alta por um euro logo na abertura do motor de busca. Não só lhe fazem uma proposta aparentemente irrecusável, em grande parte patrocinada pelo fabricante e não pelo anunciante, como passam a ter os seus dados completos que vendem bem mais caro do que isso quer ao fabricante quer a terceiros. Contudo, é preciso ter muito cuidado, pois esta mesma estratégia passou a ser igualmente usada pelos burlões, que proliferam na internet, para acederem aos dados bancários dos utilizadores do sistema.
Abril, dia 17:
É de assinalar que o segundo livro de Chis Anderson, logo após o lançamento apareceu em décimo segundo lugar na lista dos livros mais vendidos na categoria de Não-Ficção e isto numa altura em que o autor permitia a sua aquisição gratuita, em formato de e-book, no primeiro mês após o lançamento o que originou algo entre os 200 mil e os 300 mil «downloads» só nos primeiros 15 dias. Aliás, a versão de livro em áudio continua gratuita até hoje. A importância, e o impacto do autor, pode ser aferida também pelo facto de em maio de 2007, poucos meses depois da saída do primeiro livro, ele ter sido integrado pela revista «Time» na lista desse ano dos 100 melhores pensadores do mundo.
Abril, dia 18:
Finalmente, o terceiro livro explica como os empreendedores estão a usar o design, na internet, em código aberto, cumulativamente com a impressão 3D, como plataformas para impulsionar o ressurgimento da manufatura americana e não só. Aliás esta sua visão, onde se inclui a fusão global de fontes (crowdsourcing) no que concerne às ideias, associada à utilização das ferramentas do design e à fabricação de baixo custo ou em 3D, a que acrescem as opções para levar para o setor terciário a produção intensiva de capital levaram a Harvard Business Review, a destacá-lo em fevereiro de 2012 num artigo intitulado; «Faça você mesmo, para o realizarmos juntos».
Abril, dia 19:
Chris Anderson, considerado o homem «Pró-futuro», é o pensador que transforma o sonho de um homem na realidade de milhões que se articulam conjuntamente para atingir um objetivo não apenas antigamente inalcançável, como de fácil acesso e de baixo custo, porque seguido por muitos. Das teorias económicas de Chris nasce todo um novo paradigma do pensamento e da forma de abordar os problemas e a realidade. Uma aplicação prática e evidente desse fenómeno foi a criação de novos modelos de ventiladores caseiros e hospitalares em todo o mundo, recorrendo aos designs acessíveis online e à sua manufatura económica através da impressão em 3D.
Abril, dia 20:
Processo idêntico aconteceu com as máscaras sociais. Veja-se a partilha dos conhecimentos da sua fabricação ao acesso de todos a nível da população em geral e a acreditação e certificação de fabricantes industriais, novos no setor, até aí com o seu processo produtivo em rotura, devido à pandemia, e que deram a volta ao problema criando as necessárias adaptações usando os processos para a transformação, que adquiriram, muitos deles, gratuitamente online.
Abril, dia 21:
Chris Anderson não só anteviu a chegada da quarta revolução industrial, com a auspiciosa ascensão do 5G, como foi a mente por detrás da massificação dos produtos lançados para o mercado para serem desenvolvidos por todos e por todos consumidos. Esta atitude acabaria por gerar toda uma nova filosofia de interatividade absolutamente relevante em termos filosóficos e sociais, com aplicações e implicações em todas as áreas do conhecimento humano. Não é à toa que novos produtos financeiros como o Crowdfunding surgiram no mercado ou que uma empresa belga apresentou, recentemente, a sua primeira casa de dois andares construída em tecnologia 3D, e que brevemente poderá demorar apenas 2 dias a realizar.
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São estas janelas de oportunidade, toda esta nova atitude perante os mercados e a existência que, para mim, ajudam a explicar a presença, nas minhas escolhas, de Chris Anderson no conjunto dos 9 maiores pensadores contemporâneos.
Por hoje, fico-me por aqui, envolto na curiosidade de saber o que tu achas do sujeito. Despeço-me com o costumeiro carinho, recebe um beijo deste teu sempre disponível amigo de todos os dias, saudosamente,
Espero que o calor a mais não seja em demasia para ti. Sei que gostas de tempo quente, contudo, apesar disso, não sei se as atuais temperaturas não são excessivas até para ti. Estando de férias e no Algarve, num local perto do mar, imagino que deva ser mais fácil de aplacar a soalheira que se tem feito sentir.
Retomo o Diário Secreto do Senhor da Bruma para te apresentar, em 2 partes, o meu próximo pensador de eleição. Estou a falar de um homem da minha idade, produzido e nascido em 1961. Apesar da admiração que tenho por ele, pode não ser, para terceiros, uma opção evidente, mas é absolutamente relevante no meu modesto entender.
Estou a falar de Chris Anderson, o segundo dos meus pensadores selecionados. O homem das ideias mirabolantes que fizeram muita gente ter de repensar muita coisa que, até ele, davam como pontos assentes e resolvidos. Em termos de manifestação e pensar é um dos últimos a despontar neste panorama das minhas 9 escolhas.
Com efeito, a sua influência manifesta-se em 2004, já neste século e milénio, mas é em 2006 que ela se torna evidente como um todo. Para a existência da sua estranha abordagem do mundo muito se fica a dever ao tipo de formação académica escolhida. Vamos então à apresentação:
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III
Conversas com a Consciência
Os Pensadores
2) Chris Anderson – Parte 1/2
(continuação – III – 5)
Abril, dia 9:
2) Chris Anderson (09/07/1961) – Jornalista, cientista, empresário e pensador:
Chris nasceu em Londres, em julho de 1961, mas cedo, não por sua opção, se viu a viver no novo mundo. Os pais mudaram-se para os Estados Unidos da América tinha ele apenas 5 anos de idade. Cresceu num lar tipicamente britânico influenciado por um ambiente totalmente americano. Formado no campo da escrita e da comunicação em conjunção perfeita com a ciência Chris Anderson graduou-se em física pela Universidade George Washington e dividiu o seu estudo em complementar a sua formação em mecânica quântica e jornalismo científico na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Muito relevante ainda foi o seu trabalho como pesquisador no Laboratório Nacional de Los Alamos.
Abril, dia 10:
Anderson é, na essência, um aglutinador das ideias extravagantes para o futuro. A sua dupla formação permitiu-lhe desenvolver uma visão ímpar da vida, da sociedade e da evolução em curso. A sua frase: “A tecnologia chega sempre. Estamos programados para criar o futuro, seja ele mau ou bom.”, é disso bem demonstrativa. Com efeito, é graças à sua multidisciplinariedade que as suas ideias ganham forma e se criam, em lógicas até aí por imaginar ou desenvolver.
Abril, dia 11:
De notar que o jornalista, Chris Anderson, iniciou a sua carreira, enquanto editor, em 2 das mais prestigiadas revistas científicas, onde se manteve durante 6 anos, estou a falar dos magazines “Nature” e “Science”. A dupla nacionalidade foi também uma mais valia preciosa nas suas transições entre a América e o Reino Unido. Posteriormente, esteve sete anos, desde 1994, no “The Economist”, tendo repartido o seu local de trabalho por cidades como Londres, Hong Kong e Nova Iorque, alternando o seu papel nas publicações entre vários cargos, nomeadamente desde Editor de Tecnologia a Editor de Negócios, sendo que este último posto só foi ocupado aquando do seu regresso aos Estados Unidos da América e a Nova Iorque.
Abril, dia 12:
Foi em 2001, aos 40 anos, que a qualidade de Chris e o seu espírito analista desaguou num mar da genialidade. Com efeito esse foi o ano em que Chris Anderson passou a integrar a equipa da Revista WIRED, na qualidade de editor-chefe. Por aí se haveria de manter até 2012, apenas tendo saído para fundar a sua própria empresa, a 3D Robotics onde ainda hoje se mantém. Contudo, não é toda esta atividade que, para mim, faz dele um dos grandes pensadores dos últimos 120 anos. São sim, principalmente, os 3 artigos fundamentais que publica enquanto editor que, posteriormente geram 3 livros onde sentimos que existe um articular do mundo que foge à normalidade padrão a que estamos acostumados.
Abril, dia 13:
Uma comparação apareceu inúmeras vezes associada a Chris Anderson. Dizia-se que: “se o futuro tem uma igreja, esta é a revista americana Wired. Quanto ao seu sumo pontífice este só tem reconhecimento de existência na pessoa do editor do magazine”. Com efeito, a manipulação dos conceitos de ciência, tecnologia e economia, recombinados por Anderson deram lugar a teses mirabolantes e geralmente polémicas. Numa altura em que existiram tantos génios do pensamento, em muitas áreas, que influenciaram a própria filosofia e a sociologia, bem como as teorias do comportamento, as minhas escolhas podem parecer estranhas a quem um dia dê com este meu diário, mas são, efetivamente, aquelas que mais me influenciaram na formação do meu pensar.
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Deixo para amanhã o conteúdo do pensamento de Chris Anderson, que, de uma forma abstrata, se pode quase resumir aos seus 3 primeiros fabulosos livros, entre os quais, o primeiro, é absolutamente impactante e o mais relevante dos 3. Para entender o que digo não sei se bastará o que te irei descrever amanhã, mas vou fazer um esforço para que assim possa acontecer.
Se, pelo menos, conseguir que fiques com uma ideia já me dou por satisfeito. Por hoje registo a minha despedida, completamente saudoso da tua companhia e sorriso, oferecendo-te um beijo deste com quem podes contar para o que der e vier,
Começo esta carta satisfeito por te saber bem e a gozar umas merecidas férias na praia. Continuo zangado com o Governo por esconder a verdade sobre a saúde pública dos portugueses. Enquanto não começarem a ser revelados os dados sobre o coronavírus a nível das freguesias é muito mais fácil ao Estado manipular a informação e distorcer a realidade em seu proveito próprio.
Quanto à apresentação, no Diário Secreto do Senhor da Bruma, daqueles que me influenciaram o raciocínio e o meu próprio pensamento, Zygmunt Bauman foi sem dúvida aquele que me ajudou a escolher a esquerda como o lado onde a minha consciência tem mais facilidade de selecionar modelos e se adaptar ao universo político.
Não fez de mim, logo à partida, um socialista humanizado, é certo, porém, tornou mais fácil o entendimento do que mais me desagradava na política, ou seja, o lucro pelo lucro e um capitalismo sem regras, que não são, de certeza, as minhas zonas de conforto.
Eu preciso de uma ética com valores e princípios humanos e universais, onde a pessoa ocupe lugar de destaque, pois somos e sempre seremos um ser social, que evolui coletivamente, mas respeitando a individualidade de cada individuo e a privacidade do seu ego único e próprio, enquanto unidade integrada de um meio coletivo, solidário, fraterno, livre, social e ao mesmo tempo sensitivo e sensível perante o quotidiano envolvente. Mas regressando a Zygmunt Bauman:
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III
Conversas com a Consciência
(continuação – III – 4)
Abril, dia 5:
De acordo com Bauman, nos tempos atuais, as relações entre os indivíduos nas sociedades tendem a ser menos frequentes e menos duradouras. Uma de suas frases poderia ser traduzida, na língua portuguesa, por "as relações escorrem pelo vão dos dedos". Segundo o seu conceito de "relações líquidas", formulado, por exemplo, em Amor Líquido, as relações amorosas deixam de ter aspeto de união e passam a ser um mero acumular de experiências, que se sucedem num encadeamento dinâmico, que pouco guarda dos antigos laços para a vida anteriormente tão em voga e vulgarmente considerado o verdadeiro caminho.
Abril, dia 6:
Devido a isso, a insegurança passaria a ser uma parte estrutural da constituição do sujeito pós-moderno, conforme Zygmunt escreve em Medo Líquido. Bauman é frequentemente descrito como um pessimista, na sua crítica à pós-modernidade. De facto, enquanto os cientistas, poetas e artistas se desdobram e empenham na exaltação das virtudes do capitalismo, ele mantém-se na contracorrente, procurando expor a face desumana do capital.
Abril, dia 7:
Zygmunt Bauman, é, assim, o desencantado que encanta. É ele que afirma que: “na nossa sociedade, expor o privado é uma virtude e um dever público”. Aliás, o sociólogo polaco, ficaria mundialmente conhecido por criar o conceito de “modernidade líquida”, que usa para definir os dias de hoje e os que vêm pela frente. A ideia acabaria por pegar e quase se tornar uma moda, trazendo à tona, por diferentes ocasiões, ao longo dos anos, os seus livros, aparecendo estes entre os mais vendidos dentro dos escritores do pensamento. Trata-se de um feito e tanto para um pensador que não é dos mais fáceis de ler, nem dos mais simples de entender.
Abril, dia 8:
Em síntese: é essa desumanização do capital que é acompanhada, de mão dada, pelo crescente tentáculo da globalização, no seu conceito de modernidade líquida, que não tem grandes barreiras ou limites bem definidos, que tornam Zygmunt, na minha perspetiva, um dos 9 eleitos entre os últimos grandes pensadores universais. Aliás, se tivesse que espremer, numa só palavra, o que impressiona em Bauman eu usaria, inequivocamente, a sua introdução fundamental no campo filosófico e cognitivo do conceito de: desumanização.Todavia, sendo esta a minha perspetiva, isto é apenas aquilo que eu retiro de Zygmunt Bauman e não o que o mundo pensa dele.
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Sei que não relatei no Diário a essência deste pensador, mas apenas referi porque é que ele se tornou num dos meus pilares da formação da minha consciência. Foi essa a abordagem que resolvi escolher na relevação do meu Olimpo do Pensamento Contemporâneo e penso, sinceramente, que isso é que é realmente importante.
É claro que Bauman disse muito mais e escreveu o suficiente para não poder ser resumido a uma única ideia. Certo. Não argumento contra isso. Mas foi a sua explicação deste caminho para uma sociedade desumanizada aquilo que mais me cativou, neste filósofo do mundo contemporâneo, e que foi tão importante para que as escolhas do meu próprio sentir se tornassem mais simples.
Assim farei na narrativa, amiga Berta, ao abordar todos os outros pensadores que, por este ou aquele motivo, me ajudaram a criar esta minha consciência afinista e solidária, mas também individual, criativa e livre.
Amanhã começarei a carta com a apresentação do segundo dos pensadores. Inacreditavelmente, trata-se de alguém nascido no meu ano de nascimento, em 1961. Mas deixemos o assunto para o seu devido tempo e lugar. Afinal, vou falar dele por algumas, talvez bastantes, linhas.
Por hoje, despeço-me com um beijo natural, daqueles que se dá por carinho e amizade. Porque os amigos são parte integrante de quem somos enquanto seres sociais, sabes que podes sempre contar com este velho parceiro dos tempos da irreverência, que sente, e muito, a falta da tua presença física, mas que jamais te esquece,
Sei que não sou pessoa que normalmente se ponha, nem muito nem pouco, a filosofar. Apesar desse pequeno grande detalhe adoro filosofia e teorias sobre o pensamento. Porém, é mais um hobby meu do que uma coisa para partilhar com terceiros. Foi aliás o meu gosto pelo pensamento humano que me levou a passar 3 anos e meio no curso de Filosofia.
Esses, pois tenho também de incluir o de Estudos Portugueses, foram os 2 únicos cursos que tive pena de não ter chegado ao fim. Não na altura, em que me apoiei perfeitamente nas minhas decisões, mas mais tarde, alguns bons anos depois.
Psicologia Clínica e História foram formações relevantes, todavia, nem hoje as terminaria se pudesse. Quanto a direito nunca fiz estágio nem, consequentemente, me inscrevi na ordem. Simplesmente detestei o curso, salvou-se, apesar de tudo, esse tempo vivido em Coimbra, graças à convivência universitária e ao meu crescimento pessoal enquanto individuo e ser humano com ideias próprias.
Já o jornalismo foi a minha profissão de eleição. Comecei aos 18 e 15 anos depois lá consegui a carteira profissional de jornalista através da pressão exercida pelo meu editor de então, embora com uns meses largos de atraso, graças ao tolo do meu diretor dessa altura, nos idos de 1996. Tolo porque achava que se me pedisse a carteira me teria de pagar mais do que até então pagava.
Portanto, já lá vão 40 anos de atividade e 25 enquanto detentor de uma carteira profissional. Nem a atividade paralela de funcionário aduaneiro durante 12 anos, nem mesmo os 16 anos de gestor de empresas, se comparam no tempo e na preferência ao meu amor pela profissão de jornalista.
Uma verdadeira paixão, principalmente, no que concerne aqueles fabulosos anos em que me dediquei de corpo e alma à investigação, mesmo com as ameaças de morte que os jornais onde trabalhei receberam, em meu nome, por força da publicação de certas verdades. Se bem me lembro foram 22. Um número bonito que ainda hoje me faz sorrir.
Contudo, a formação privada que tive, com 2 grandes mestres, em artes plásticas e, por outro lado, a escrita e a poesia, com o imenso apoio da minha mãe, formada em Românicas, foram os pilares fundamentais da constituição da minha consciência emocional e sensitiva. Disso não tenho a menor dúvida.
Desculpa se me alonguei em divagações, porém queria que entendesses o meu interesse pelo universo das ideias e do pensamento e porque tenho, como referências um certo número de pensadores contemporâneos. Mas vamos ao Diário:
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III
Conversas com a Consciência
(continuação – III – 3)
Março, dia 30:
Apontamentos sobre quem pensa. Os Últimos 9 Grandes Pensadores da Humanidade (segundo eu):
Não me parece relevante, no âmbito destas minhas notas, estar aqui a explanar todo o pensamento, atividade, teorias e suas aplicações, no que a cada um dos pensadores diz respeito, nem mesmo apresentar qualquer defesa relativamente às ideias de cada um. Isso poderá ser um trabalho para quem quiser ir mais longe no conhecimento da obra e nos contributos desta minha seleção de sábios para a humanidade e para o pensamento, dos últimos 120 anos. Basta-me referir porque os considero fundamentais, importantes e influenciadores do meu existir.
Março, dia 31:
Para os intelectuais as minhas escolhas podem vir a parecer estranhas ou inaceitáveis. Aliás, quem lidera as instituições ligadas ao conhecimento, à matemática, à ciência, à tecnologia e, consequentemente, à filosofia e ao pensamento, paradoxalmente, é muito conservador no que se refere à aceitação de novos paradigmas ou valores que possam pôr em causa o status quo pré-estabelecido. A história é farta em demonstrar a imensa dimensão deste fenómeno com o decorrer das eras e dos séculos.
Abril, dia 1:
1) Zygmunt Bauman (19/11/1925 a 09/01/2017) –Sociólogo, pensador:
Bauman, foi inicialmente um marxista ortodoxo, com ideias estalinistas, de origem judaica, não praticante, ateu, educado na Polónia, sob forte influência da URSS. Teve uma curta carreira militar. Integrou os quadros da inteligência polaca aos 19 anos e atingiu o posto de major oito anos mais tarde, no entretanto, lecionou como professor universitário em Varsóvia.
Abril, dia 2:
Em 1968, Bauman, foi expulso do seu país, por críticas ao governo comunista polaco. Por esse facto viajou para Israel, onde agarrou o ensino universitário e passou a lecionar na universidade de Telavive (ou Tel Aviv), onde se manteve até 1971. Foi nesse ano formalmente convidado pelos britânicos para se instalar em Leeds. Zygmunt não terá hesitado muito na decisão e mudou de vez, definitiva e convictamente, para terras de Sua Majestade.
Abril, dia 3:
Uma vez instalado no Reino Unido, iniciou o leccionamento na universidade de Leeds. Cedo se tornou cidadão britânico. Foi por essa altura que começou, metodicamente, a adaptar as suas ideias à realidade. Rapidamente se tornou um defensor de um conceito em tudo inovador: o socialismo de cariz humanista, que o guiaria pelo resto da vida, até à sua morte, com 91 anos, em 2017. Bauman publicou cerca de 35 livros até 1999 e mais do que isso entre 2000 e 2017. Há quem o considere um fenómeno, um autêntico génio, no que à capacidade de racionalizar o meio diz respeito.
Abril, dia 4:
Contudo, independentemente de já ter muita obra publicada entre os 27 anos e os 46 anos, a sua visibilidade e fama têm as fundações com a mudança para terras britânicas. Na realidade, a sua notoriedade fortalece-se, com espetacular evidência, a partir de 1989, já com a bonita idade de 64 anos, quando começa a debruçar-se sobre a problemática da modernidade, do pós-modernismo e dos possíveis rumos a tomar daí em diante.
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Devido à minha longa introdução, não consegui terminar, sem me alongar demasiadamente, a apresentação de Zygmunt Bauman. Terá de ficar para amanhã. Despeço-me com um beijo e uma piscadela de olho, feliz por ter sabido que estás muito morena pela praia que tens feito, querida Berta, sempre ao teu serviço,
Cá estou eu, sempre cumpridor, na medida do possível, com mais uma cartinha para a minha amiga. Posso garantir que esta minha promessa de durante o teu primeiro ano de ausência te enviar regularmente, a cada dia, uma carta, nem sempre é fácil de cumprir. Apesar de tudo, e mesmo contra alguns imprevistos, tenho conseguido manter a palavra. Mesmo quando te enviei mais do que uma carta no mesmo dia para repor outras em falha de dias anteriores. Juro que tenho feito tudo o que me é possível. Agrada-me imenso todo o apoio que me tens dado. Fica aqui o registo porque, muitas vezes, me esqueço de agradecer devidamente a atenção a mim dedicada, mas sinto-a.
Ah! Com que então achas que interrompi, ontem, propositadamente o Diário Secreto do Senhor da Bruma. Garanto que foi pura coincidência. Era incapaz de magicar propositadamente uma maldade dessas. Tu não mereces esse tipo de atitudes, nem que seja a brincar. Todavia, ter continuado iria alongar bastante a carta e tornava-se maçador. Contudo, se isso te deixou em suspense é porque te agradou e isso é muito bom, me ajudando a prosseguir motivado por te saber atenta e agradada com o que vais lendo. Assim, sem mais demoras, continuando:
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III
Conversas com a Consciência
(continuação - III - 2)
Março, dia 26:
O crápula do lente a que me refiro, adorava mostrar que acreditava na supremacia ariana, ora, embora isso me desagradasse, eram apenas as ideias parvas do fulano e eu nem ligava. O problema surgiu quando resolveu humilhar, em plena aula, um aluno negro, de origem cabo-verdiana, que conseguira acesso universitário com os 17 anos acabados de fazer, ou seja, quase 2 anos adiantado à média de idades dos outros, já na casa dos 19, tudo devido à mente brilhante que possuía. O jovem não aguentou a humilhação e começou a chorar.
Março, dia 27:
Ora, eu, que na altura teria uns 26 anos, acabado de chegar ao Porto para trabalhar, depois de 6 anos de Faculdade de Direito, em Coimbra, levantei-me em defesa do rapaz, falando alto, afirmando que aquela atitude era inadmissível. O anormal do catedrático, de olhar esbugalhado, fez o gesto de levantar a mão, como quem me ia agredir, e foi esse o erro. Quando dei conta já lhe desferira 2 sopapos, de punho fechado, no respetivo trombil, enquanto, em simultâneo, o ameaçava de, com a turma inteira a reboque. apresentar queixa dele na reitoria, caso o sujeito me quisesse expulsar. Nunca fez nada, mas eu perdi o gosto pelo curso e saí. Porém, somente depois do Fabiano, assim se chamava o rapaz, concluir, com aproveitamento, a cadeira em causa e se ver livre da idiota verborreia do docente.
Março, dia 28:
No ano seguinte acabei por mudar dentro da Universidade de Letras do curso de Filosofia para o de História, onde estive mais uns 3 anos e meio, enquanto o curso me foi útil e aliciante. Contudo, a atividade de jornalista, iniciada aos 18 anos, na imprensa algarvia e a carreira profissional na Alfândega, mais o nascimento da primeira descendente, acabariam por determinar as opções que me fizeram sair, por mais de um ano da universidade. Haveria de regressar, primeiro para o Curso de Estudos Portugueses na Universidade do Algarve e, logo depois, no polo universitário de Loulé, para o curso de Psicologia Clínica. Ao todo, passei uns bons 18 anos em diferentes Universidades e Faculdades, entre Coimbra, Porto e Algarve. Foi nesse tempo que elegi os 9 filósofos que mais me influenciaram.
Março, dia 29:
Estou a referir-me, apenas e só, àqueles que são, para mim, os 9 pensadores mais importantes dos últimos 120 anos. A importância dos anteriores a eles, não deixa de ser crucial, mas apenas serviu de base, de alicerce, á minha escolha final, mais centrada no contemporâneo das ideias, no que ao pensamento humano moderno diz respeito. Tivesse eu nascido noutras eras e, certamente, as opções seriam totalmente diferentes. O evoluir da filosofia acompanha o avanço das ideias, da tecnologia, do progresso e consequentemente as respetivas mudanças sociais e humanas em que, em cada fase, nos vamos sentindo mais enquadrados.
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Por hoje é tudo, amiga Berta, espero que o meu Diário Secreto seja mesmo do teu agrado. Gosto de te ver interessada e adoro saber que existe alguém que me lê sem ser por qualquer favor. Desabafos. Porém, tu sabes que eu sou mesmo assim, melindro-me com as pequenas coisas se não as sinto sinceras.
Posso não ter o melhor dos feitios, mas também não me tenho em má consideração em termos gerais. Lá está, preciso de agir de acordo com a minha consciência e a malandra acaba por ser determinante em todos os meus comportamentos e atitudes.
Por hoje é tudo, espero ter-te proporcionado mais um bom momento de leitura. Pelo menos já sabes algo mais sobre mim. Despeço-me com um beijo de alegria e desejo de bons banhos de mar, este teu amigo com quem sempre podes contar,