Desabafos de um Vagabundo: Série Romance - A Felina - Noites de Lua Cheia - 33
VIII
Uma Grande Hermenegilda
VIII
Íris, não levou muito tempo a entender que a mãe de Érica detinha uma das maiores fortunas americanas. Também entendeu que a preocupação do Governo dos Estados Unidos, e da Embaixada americana por tabela, era que ela deslocalizasse para Portugal ou para outro lado treze dígitos. Podiam ficar todos descansados.
Todavia, para a jovem, nada daquilo era dela e não fazia intensão de utilizar nem um dólar daquelas verbas em seu favor. Ter duas identidades dava jeito, mas ser dona de fortunas colossais que não lhe pertenciam na realidade, não era coisa que a orgulhasse. É claro que já tinha pensado que era por causa de muito dinheiro que existiam todos aqueles tratamentos VIP. Porém, nada daquilo era dela e ponto final.
Se ela fosse uma mulher pobre e sem recursos talvez pudesse pensar diferente, todavia, esse não era o caso. Se algum dia tivesse necessidade de fugir de Portugal, enquanto Íris e assumir a personalidade de Érica, também dava jeito. Contudo, nenhuma dessas questões se colocava. Mas o pior de tudo é que ela abominava precisamente os super-ricos. Não se ia agora, tornar um daqueles idiotas passando a controlar coisas que nunca tinham realmente sido dela.
No entanto, havia algo que pretendia alterar, mesmo não indo fazer uso pessoal de todo aquele espólio multibilionário. Ela ia tirar a fortuna de Érica da Vanguard. Não lhe agradava nada uma empresa que vive de jogar com fundos de reforma ou pensões de terceiros e à custa das ações e do trabalho de outras empresas adquirindo e dominando mercados como um grande predador. Era nojento.
A ter algo de dimensão planetária teria uma organização que prosperasse pela positiva e não a explorar terceiros. Se a coisa resultasse seria ótimo. Caso não corresse bem, pelo menos ela tentara. Tirou da carteira, que levara consigo, uma ordem executiva que preparara com os seus advogados para o caso de lhe irem revelar a posse de um qualquer tipo de fortuna.
O documento estava escrito em inglês e português e fora autentificado em notário em Portugal e pelos parceiros dos seus advogados nos Estados Unidos, num cartório americano com a mesma função, e ordenava a venda de todos os seus bens, a criação de uma conta em seu nome pessoal com dez por cento da fortuna e de uma fundação denominada Érica Chandler Foundation For The Future, com noventa por cento do total da fortuna.
As normas, regras, investimentos e área de atuação da Fundação teriam por base os Estados Unidos da América, com sede em Nova Iorque. Ela seria a Chairwoman e CEO da Fundação, mas nomearia duas pessoas para a representarem nos cargos, assim que a Fundação estivesse em condições de poder começar. Os Estatutos da Fundação seriam enviados para a Vanguard dali a 30 dias. Até à criação da Fundação o produto das vendas dos seus bens seria depositado na conta que abrira no Bank Of America, em Nova Iorque, cujos dados constavam no fim daquele documento.
Para além disso a Érica Chandler Foundation For The Future seria sempre uma entidade sem fins lucrativos criada para o desenvolvimento, a integração e o progresso social das populações alvo envolvidas. Conforme constava na carta de princípios da sua criação. A Vanguard deveria proceder em conformidade, sem quaisquer alterações aos princípios definidos, enquanto representante dos seus bens, em todos os parâmetros do documento e seria responsabilizada judicialmente por qualquer desvio de procedimentos às diretrizes ali delineadas.
Érica, entregou dois originais do documento aos representantes da Vanguard e mais uma cópia à Senhora Embaixadora, para que o Governo americano ficasse ciente da sua vontade. Os homens da empresa de gestão de fortunas ainda tentaram argumentar, mas era absolutamente inútil fazê-lo. Afinal, eles estavam obrigados a cumprir a sua vontade.
Num outro documento entregue à Senhora Embaixadora, com cópia dada aos homens da Vanguard, Érica nomeava o Secretário do Tesouro do Governo americano como supervisor de toda esta operação ou quem ele nomeasse para o representar. Solicitava igualmente que a venda dos bens que compunham a sua fortuna fosse efetuada no espaço de três meses a contar desta data, mesmo que eventualmente um ou outro ativo fosse desvalorizado pela rapidez da venda, deste que o Secretário do Tesouro validasse a mesma como sendo a melhor solução.
Na parte final daquele documento constavam os termos legais e a legislação que lhe permitiam nomear o Secretário de Estado do Tesouro como seu supervisor. Não era autorizada, nem consentida, qualquer especulação ou desvalorização dos seus ativos para benefício da Vanguard ou de terceiros e o Secretário de Estado do Tesouro devia agir em conformidade, nos termos da Lei a qualquer tentativa desse tipo por parte da Vanguard ou de quem quer que fosse que o tentasse fazer.
Terminada aquela operação, Érica, iria aos Estados Unidos, inaugurar a fundação, na sede em Nova Iorque, e só a partir desse momento o Secretário de Estado do Tesouro, ou o seu representante, ficaria desvinculado das funções de supervisão que lhe haviam sido delegadas por ela.
No corpo do documento constava ainda que, uma vez que Érica residia atualmente em Portugal, caberia à Senhora Embaixadora, Lana Portter, representar o Secretário de Estado do Tesouro, ou o seu representante, em Portugal, em todas as situações em que essa ponte de contactos fosse necessária e ou requerida por lei.
Érica esclarecia ainda, no texto do documento, que embora não fosse uma prática muito comum ou habitualmente usada que, nos termos da legislação americana, estas nomeações não requeriam a aceitação das entidades envolvidas, mas que, por força dos seus direitos vinculavam, sem possibilidade de rejeição de funções os representantes por ela nomeados, pelo que esperava o total cumprimento dos termos constantes naquele requerimento, em que o direito e a lei a permitiam agir.
Pelo definido nos termos daqueles dois documentos, Érica obrigava-se a entregar, sem qualquer atraso, no prazo de 30 dias, os estatutos da sua Fundação, bem como as nomeações dos seus representantes legais que, na sua ausência, a substituiriam enquanto CEO e Charmam ou Charwoman na fundação à Embaixadora americana, da Embaixada dos Estados Unidos em Portugal, que no caso e no momento era Lana Portter.
Lana, estava espantada com a forma como Érica lidara com aqueles dois representantes máximos da Vanguard. Ela estivera reunida com eles antes daquele encontro e os homens vinham determinados em esclarecer a jovem luso-americana, que iam continuar a gerir a Vanguard e os seus bens ao seu belo prazer e que ela poderia apenas verificar nos relatórios trimestrais como estava a ser gerida a sua fortuna. Contudo, para sua surpresa, a jovem viera mais preparada do que todos tinham imaginado.
No caso de Lana, aquilo fora uma excelente surpresa que ainda por cima reforçava os seus poderes no seio do corpo diplomático americano ao ser nomeada representante para aquela transição importantíssima do Secretário de Estado do Tesouro, em Portugal. De Embaixadora americana em um pequeno país como Portugal, passava a ser representante legal de uma das maiores fortunas de toda a América. Só aquela nova função, por si mesma, iria fazê-la subir bastante na sua carreira diplomática a curto prazo.
Íris, saiu da reunião muito satisfeita. Dominara, conforme se tinha preparado, não fosse o caso de o anúncio da Vanguard comunicar que ela detinha uma grande fortuna, todo o encontro, tomando ela a iniciativa antes de aceitar assinar fosse o que fosse que os gestores tivessem preparado. A importância do que fizera era tal que tinha sido acompanhada até ao seu Mercedes-Benz pela Embaixadora americana.
Tinha que agradecer aos seus advogados, aliás, aos de Érica, porque ela tinha firmas diferentes a trabalhar consigo, consoante era Íris ou Érica. Eles já tinham as linhas gerais do que ela desejava para a sua fundação. Queria criar, por exemplo, nas principais cinquenta cidades americanas um bairro, perto de cada uma delas, para emigrantes, mas um bairro especial que funcionasse como um condomínio privado, com segurança própria.
As lojas, os ofícios, a manutenção do bairro e até a segurança seriam entregues aos emigrantes que teriam a quase totalidade dos empregos e funções nesses bairros. Paralelamente cada bairro teria uma escola profissional para formar emigrantes nas mais diversas áreas. Eletricistas, canalizadores, seguranças, lojistas em áreas tão diferentes como um talho, uma mercearia, uma padaria, uma casa de câmbios, um bancário ou um vendedor de seguros. Para além de o bairro poder fornecer bolsas para formações universitárias tento em conta as necessidades mais importantes de cada cidade vizinha.
Cada bairro teria ainda um polo de desenvolvimento tecnológico, com composição, consoante as necessidades locais, de empresas de desenvolvimento de inteligência artificial, laboratórios de biologia, bioquímica, informática, nanotecnologia ou outra valência que fosse necessário desenvolver, como clínicas de saúde e o que mais fosse essencial.
Nesses bairros de condomínio privado, não seriam permitidas armas a não ser nas forças de segurança, nem qualquer tráfico de drogas. Isso seria possível de implementar porque cada bairro seria efetivamente um condomínio privado, podendo por isso ter regras próprias e só deixar entrar no seu espaço visitantes autorizados. A dimensão dos bairros seria adaptada à escala da cidade que lhe fosse vizinha.
(continua) Gil Saraiva